José Kappel

Um amor sobrevive a outro amor

Textos

O Segredo das Pedras
Pirilampos! Passei a vender pedras!
Bom negócio prá quem não deseja muito.
Bom negócio para aqueles que vivem cercados de muros
e roçado de pó.
É um negócio lucrativo e não dizimado.

Você vai lá e manda fazer o serviço.Roça bem e depois é só vender!

E como tem gente comprando pedras! De diversos tamanhos,
sem maiores quesitos, pode ser quadrada, retangular ou
apenas pedra bruta

Ah! É a que e mais dói.

Os retângulos de ardósia com moldura são
as mais procuradas porque ferem mais e mais profundo.
E os homens de minha vila são árduos, não são de diamante, são fóruns de pequenas causas onde bulir e diametrar a dor
é apenas uma forma de viver..

Pedras são afeiçoadas por aqui; os homens pedem também muito pedras angulares - aquelas sem sentido, que são motivo de escândalo e discórdia.

Mas vivo delas - o que fazer?
Pureza não tem. São jaspes que os homens
carregam na alma!
Como no mundo de hoje as coisas estão ficando difíceis
bom negócio é abrir uma pedreira.

De barulho infernal - dia e noite -.

Lá estão os homens tirando pedras da pobre montanha
cujo único erro foi estar ali.
Muita gente gosta de pedras; uns prá construir
outros para cimentar com outras pedras,
mas a maioria gosta mesmo de comprar para encravar nos corações.

Dai nasce meu negócio lucrativo.
Sou dono de pedras e as vendo com prazer!

Compradores lá não faltam e
quase não durmo de tantos pedidos.

Os homens chegam, pagam em trívolo dinheiro
vivo e angustiante, e levam suas pedras.

Desconfio que alguns só compram a procura de preciosidades que a pedra tem. Mas suponho que nada conseguem, pois notícia disso ainda não tive.

Uns levam para casa e atiçam suas esposas
outras remoem seus filhos
Outros - danação total - azoam toda a família,pois a misturam com puro aguardente da roça.

Não se impressionem com minha profissão.Já é reconhecida no Inferno!

Ela nasceu da idéia de que todo mundo hoje tem um desejo
e um lampejo, meiados em escuridão, por ter uma pedreira.E atirar uma pedra.

E eu lascivo, os satisfaço. Não sou corruptela de almas!

Pedras de cantaria não tem o que o nome diz.
Só os alquimistas gostam nelas.

E eu me fragmento olhando tanta dissipez
nas mãos dos homens de corações formados
por fórmulas secretas.

Uns usam como argamassa para fortalecer seu dorso,
outros com seu poder conseguem destruir tudo a sua frente!

Tem a pedra, tem a massa.

Só falta usufruir,ferir - símbolo insosso
da vida passageira e da vida que as coisas carregam.

E eu, de mais posse, arrendei a montanha de grande postura e
densidade.

Muitos tem inveja de meu trabalho!

Mas que vou fazer se todos gostam de comprar
pedras e levar para as suas casas arejadas, para as ruas
azucrinadas , para suas casas manchadas de pecados e
sombreiros de discussões e desentendimentos quase
santos.

Deles não sou dono e de seus atos, desmandos!

Até o pároco de minha vila é freguês assíduo de
minhas pedras:
ele vêm de manhã - como um sabugo enferrujado -
bíblia dos pecados debaixo do braço, e me compra
vários quilos de pedras.

Prá que não sei.Não se pergunta ao salvador de
almas e espíritos convulsos prá que ele quer pedras.
Mas que compra, lá ele compra.

Assim, meu negócio prospera.
Todo mundo da cidade compra minhas pedras,
alguns até nela rezam.

Outros, por ironia, são sepultados, pedra sobre pedra. Triste.

E assim também levo minha vida próspera;
tenho uma mulher e três amantes:
cinco filhos - que também adoram pedras.

Três filhos com a primeira
e dois com a segunda;
a terceira não quis filhos, pois disse
não desejar que eles jamais seguissem a carreira
do pai - vendedor de pedras e ralas angústias!

Sou famoso na cidade pois alimento toda minha vila com
os mais variados e tensos tipos de pedras.

Nunca vi uma comunidade, até bem santa,
comprar tanta pedra.

Agora - sei de fonte bem limpa e suave -
por vários médicos - também fregueses, adoradores
de lancetas e pedra lascada -
que a maioria dos corações do povo da minha
vila está ferida dentro do coração,
-onde as pedras atingem mais.

Mas que posso fazer se o meu povo
compra pedras para ferir o próprio povo!

Fico então com o coração partido de ter tal profissão
-vendedor de dores, amparo dos que já se perderam.

E morrem como estorvos e indiferentes.

Então, um dia descobri que também sou quase de pedra
Mas não estou à venda.
Com quatro pedras já me atingiram
bem no coração eslavo.

Chorei emperdenido e, em colapso,
pois tais homens que nos habitam
são ociosos e incontentes.

Mas a primeira pedra nunca atirei!

Só me escondo na hora que, com certeza absoluta,
vou chorar, não como uma pedra,
mais como uma milagrosa flor
que nasce entre seus entravos lascados.


José Kappel
Enviado por José Kappel em 07/04/2006


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