José Kappel

Um amor sobrevive a outro amor

Textos

Ordenança das Pedras
A terra onde nasci não tem mais,
assentaram nela tanta coisa esgotada,
que ela foi sumindo, entrando numa
buraco escuro, onde até as flores
se refugiaram em outras terras
empanadas.

Minha terra não tem mais:
foi pedra em cima de pedra,
e, dai, nasceram prédios e mais
prédios,
-edifícios cintilados de solidão -
que foi, pouco a pouco tomado
por gente de terno passado, e mulher
com roupa de homem,
todos falando em celulares,
e roda daqui, roda dali,
os problemas aumentando,
a terra foi crescendo
e minha memória foi morrendo.

Mas não foi aqui que eu
sentava quando me barbeava aos
quinze anos? Namorava na terra
crescida? No apogeu da terra
dourada,batida,
crescida de esperança?

Minhas ruas foram trocadas
de charretes e carros de bois
por vistosos carros, - destes
bem modernos.

Terra de Sienas !

E até a cor da cidade não se dá
bem com a cor do céu: amarelo e
vermelho, tudo frouxo.

Ah! Terra Esgotada!

Fui também na antiga casa
dela.
Era pequena e tinha um
riacho a percorrê-la,
um jardim a moldá-la,
tinha cheiro de mulher,
cheiro de terra.

Fui na casa dela
não chorei, porque a idade
já não me provém deste
escândalo interior:
mas lá estava:
a casa dela,
onde a gente repartia
o dom da mocidade
entre beijos e abraços,
tinha virado tudo pedra,
também esgotada.

Não tinha mais nada:
literalmente, eram centenas
de pedras magoadas dispersas,
no jardim e arrolhando
o percurso do já minguado
riacho.

Terra dos Azáfamas!
Até o rei Axum varre
minha Etiópia!

E de minha terra
mais nada sobrou:
agora é pedra e mais pedra.

E nosso amor vigilante,
se tornou morte,
ela partiu prá lá,
eu fiquei cá só e
pensando:
pedra que faz pedra
torna o coração dos
homens de argila
mais não mata nosso amor.

Pedras! Fizeram da terra
aquecida, agora fria e
crescida.

Tão crescida como um desastre
interior!

E se não lhe dão nome,
dou um:
cedras vistas de longe
são...
Ordenança das Pedras!

José Kappel
Enviado por José Kappel em 08/04/2006


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