O Homem que Não Tinha
O homem,com aspecto meio matuto, tacanho, com roupas surradas entrou numa dessas lojas que anunciam muito na televisão e que vendem tudo à perder de vista. Facilitam até em 4 anos uma simples faca. Uma coisa de louco.
Geninho tinha o olhar sempre desconfiado e parecia entrar na loja com muita timidez, pois os vendedores, todos muito bem vestidos, engravatos, cheirosos e bem formados, não deram muita atenção àquele homem, que parecia vir de alguma roça. Entrou e ficou olhando para os aparelhos de televisão. Parava em uma, roçava os cabelos ralos, meio cabrero, olhava outra, seguia em frente. A loja tinha um número infindável de televisores todos ligados, dando a impressão de que uma imensa festa se desenrolava ali. Era som de um lado, televisão do outro, um caos, habilmente montado para vender os produtos. E o homem - Geninho - andava de um lado para outro, olhando os televisores. Os atendentes se contradiziam. Um dizia: - Vai lá atender aquele homem ... - Não - falava a outra - vai você, não vê que estou ocupada -. - Eu não vou não, esse homem é mais duro do que picolé - ironizou o outro vendedor. Finalmente apareceu um rapaz, também meio tímido e que tinha pouco tempo de casa, e os mais antigos jogavam todas as chamadas " bombas ", para ele. "Bombas" eram chamados aquele fregueses muito chatos, sem dinheiro, que passavam horas pechinchando um produto e, no final, não levavam nada. - Posso ajudar? - perguntou o rapaz,meio contrariado com sua sina. - Pode sim, seu moço, disse Geninho, também meio tímido e com olhar indeciso. - Pois não - respondeu o vendedor, apanhando um imenso bloco, já meio amarelado de suor, de tanto ser manuseado. - Seu nome? - perguntou o vendedor -. - Meu nome é Genildo da Silva Ferreira Costa.... Filho ! - Um instante só porque seu nome é muito grande. - E lentamente o vendedor completou a linha e lá colocou o nome do homem. Mas Genildo interveio: - mas moço, pra que preencher esse troço grande dessa maneira? Nós vamos ficar o dia inteiro... - É...é bem capaz... da gente ficar aqui o dia inteiro ! - falou ironizando. - O nome de seu pai? De sua mãe. E Genildo falou pausadamente o nome deles. - O sr. é casado ? - perguntou o vendedor. - Sim e não - disse constrangido - . - Como, sim e não? - interveio o vendedor. - É que minha primeira mulher morreu. E estou agora agora com a segunda mulher. - E qual o nome dela? - perguntou o vendedor. - Ah! - disse Geninho - isso eu não posso dizer. - Porque que não? - Não posso dizer - insistiu Geninho - é coisa muito particular! - Mas esses dados aqui são confidenciais, ninguém vai vê-los ! - retrucou o vendedor, sentindo que estava com uma bomba na mão. - O nome dela eu não posso dizer - confirmou Geninho - é coisa muito particular. E não sei porque que pra comprar uma televisão a gente precisa dar esses dados todos. - São normas da casa - insistiu mais o vendedor - sem esses dados eu não posso vender a televisão por senhor ! O sr. pode dizer pelo menos o motivo? - Poder eu posso: ela é casada ! - Ah! Disse o vendedor: quer dizer que o sr. vive com uma mulher casada? - Fala baixo - disse Geninho ! - Mas estes dados são confidenciais, disse o vendedor. - E vamos só imaginar, disse Geninho, que essas confidências todas vão parar nas mãos de uma pessoa que conhece o marido dela? Já imaginou a confusão que essas confidências vão criar, por causa de uma simples televisão? - Então o sr. é um bígamo ou está colocando chifres em alguém ! - Retrucou áspero o vendedor, já perdendo a paciência. - Posso ser o que falou. Mas lá onde moro não têm esse negócio de chifres, não. Só se a sra. sua mãe usa um. Disse Geninho, quase na inocência. - E o vendedor já irritado - e desconfiando que o homem não ia comprar mesmo, preencheu um nome qualquer na ficha, inventou um sobrenome,o RG e outros dados, pra ver se aquela história acabava. - Então tá certo - disse o vendedor - vamos passar pra frente. - É melhor mesmo, disse Geninho. Eu vim comprar uma televisão e o sr. querendo saber nome disso,nome daquilo. - O sr. me dá seu CEP. - Dá o quê - perguntou Geninho. - O CEP , o CEP, o lugar onde o sr. mora. - Ah! Moro na Vila das Camélias! - Não quero saber o local, quero saber o CEP. - disse o vendedor . - Ah! Isso a gente não tem não. - Mas como não tem. Todo mundo tem um CEP! - É, mais eu não tenho não.. - Quer ver como o sr. tem ? replicou o vendedor já nervoso - Vou procurar no computador e vou achar logo. Diz só o nome da rua.. - É Vila das Camélias onde moro. Lá não tem CEP. A rua não tem nome é Vila... Vila das Camélia. O vendedor voltou a atacar. O sr. me desculpe mas todo brasileiro tem CEP. E só sr. que não têm? - CEP, não tenho não - disse Geninho. - E o vendedor foi no computador e rastreou tudo e não achou nada. - Bem, disse o vendedor. Nos Correios não tem esta Vila , não. Então o vendedor colou qualquer CEP que lhe veio a cabeça. - Só prá terminar - disse o vendedor - já furioso com o cliente. - O sr. tem telefone? - Não tenho não, senhor. Com quem eu quero falar, mora perto de minha casa. Quando quero falar eu chego na janela e chamo por ela. - Celular o sr. também não têm? - perguntou o vendedor já suando e os outros rindo pra valer, num canto da loja. - Até que eu tinha um. Ganhei da filha da mulher que eu não posso dizer o nome. Mas nunca consegui falar naquilo. Tinha jogo, notícias, mulher nua, tinha de tudo, só que eu nunca consegui fazer uma ligação. Ai joguei fora. - Tá certo...tá certo...O sr. acabou de completar a ficha. Agora o sr. espera um pouco que vou levar esta ficha pro gerente aprovar! - Aprovar o quê - disse Geninho -. - A sua ficha! Precisa ser aprovada - disse o vendedor. - Mas eu vou pagar à vista ! - disse Geninho em sua inocência. - Porque que o sr. não falou logo. - E Geninho: o sr. não perguntou. Quis logo saber o nome de minha mulher e não parou mais de tanto perguntar. - É...é..tá bom - O sr. vai pagar à vista. Ótimo, maravilhoso. O sr. já escolheu a marca, o tamanho. Nós temos essa de 15 polegadas - e apontou para o produto -, temos aquela de 17 polegadas e por ai vai. Para o sr. eu indicaria essa de 15 polegadas. -É...titubeou Geninho - mas não era bem essa que estava pensando não... - E qual que o sr. estava pensando? - Naquela ali, de 104 polegadas ! - Aquela que está na vitrine? - Essa mesmo. E o dinheiro tá aqui. Meteu a mão numa sacola e pôs em cima da mesa mais de R$ 200 mil reais. - Ai foi um corre-corre na loja. Quando os outros vendedores viram aquele monte de dinheiro, sairam correndo pra cima do homem. Um ofereceu cafezinho, doces, salgadinhos e até uma pizza apareceu. - Nós estamos aqui para servi-lo - disse o gerente, empurrando suavemente o vendedor da cadeira. - Vai precisar de um caminhão pra levar.... - disse o gerente sorrindo. - Ai Geninho, pensou, pensou e foi incisivo: - Acho que não vou levar não. Vocês aqui gostam de futucar a vida dos outros. Querem saber de tudo. O rapaz ali queria saber até o nome de minha mulher e seu telefone. E disse que era confidencial. Vocês já viram alguma coisa confidencial ficar confidencial no Brasil? E tem mais uma coisa - finalizou - Não vou levar não, porque minha rua nem CEP têm ! E colocou o dinheiro na bolsa de papel e deixou a loja.
José Kappel
Enviado por José Kappel em 16/05/2006
Alterado em 16/05/2006 |