José Kappel

Um amor sobrevive a outro amor

Textos

A Loja Que Apitava
Seu João Calixto, não era um homem bronco totalmente. Tinha feito o primário. Com muito custo. Naquele tempo, nascido numa fazenda do interior, era muito difícil estudar, por falta de salas de aula e professores. Mas, assim mesmo, seu pai - O Calixtão - obrigava o filho a andar uns 15  quilômetros, onde havia um vilarejo e, lá, sempre havia aulas, pois tinha uma escolinha.


Foi lá que aprendeu as primeira letras. Mas foi no dia-a-dia que Calixto aprendeu o que era a vida, trabalhando duro. Herdou a fazenda do pai. Vendeu. Arrumou uma mulher, casou teve três filhos, se mudou prá uma cidade mais próxima e escolheu um bairro bem afastado do centro, pois queria viver na paz e tranquilidade. O tempo passava tranquilo, ele, às vezes, ia à cidade, fazer compras ou dar uma volta, olhando vitrines.


E foi  numa desssas saídas - morava uns 30 quilômetros da cidade e fazia o trajeto entre sua casa num ônibus meio encarcalhado pois a empresa não tinha muito interesse em melhorar a linha já que lá, julgava ela, só morava pobre e pobre só dá trabalho, pensava ela. Calixto não era pobre, com a venda dos bens dos pais ficou numa situação bem estável. Mas se sujeitava àquele ônibus até mais por distração e prá passar o tempo.


Como sempre desceu na Rodoviária. Pegou outro ônibus e parou na cidade.  Ele já sabia , por amigos, que tinham inaugurado uma nova loja na cidade e estava curioso e ansioso para conhecê-la.


Foi andando de mansinho, correndo as calçadas e cruzando com gente que não conhecia. Sentia-se melhor assim: ninguém o conhecia e ele não conhecia ninguém.


Numa das travessas viu lâmpadas de néon piscando e uma imensa loja. Andou rápido prá lá. A loja - pensou ele - era muito chique e parecia ter de tudo.



E acertou, ao virar de uma esquina, encontrou um imenso magazine, cheio das coisas mais variadas possíveis, desde àquelas modernas televisões até a uma simples cueca. A loja era tão grande que dava para passear por ela por mais de hora.



Entrou e  logo e  se surpreendeu com a quantidade de roupas, rádios, televisões,roupas, comidas, guloseimas, brinquedos e tudo o que uma pessoa pode pensar.



Do alto das paredes estavam dezenas de auto-falantes, que tocavam música sem parar. De vez em quando a música parava e uma voz de mulher, muito sensual, chamava algum funcionário, ou anunciava as ofertas do dia.



Calixto, deslumbrado com tudo aquilo, pensou logo em trazer a mulher e os filhos, num dia, para conhecer aquela maravilha moderna. Parecia que estava nos EUA porque era igualzinha aos filmes que tinha visto.



Calixto notou que ninguém falava  com ninguém. Não havia atendentes. Olhou pros lados e viu, num canto, um amontoado de cestas para carregar as mercadorias. Viu que todo mundo que entrava apanhava uma, foi lá também e pegou uma cesta de armação dourada. E saiu andando.



Passou por vários estandes. Correu a loja toda, viu pilhas e pilhas de material elétrico, uma infinidade de discos e filmes, viu roupas e vestidos, meias, cuecas, viu os mais variados tipos de guloseimas, brinquedos e mil coisas no setor de papelaria.



Depois de mais uma hora correndo a loja, resolveu compras  balas para os fihos e vizinhos, e também comprou uma linda bonequinha da barbie



Depois  de andar de um lado para outro durante quase uma hora, resolveu ir embora e voltaria um dia com a mulher e os filhos, principalmente os filhos que conheciam muito aquela parnefernália de televisão, cds, música e cinema.



Custou a achar a saída, pois ela estava escondida num canto, que dava para um corredor de saída, onde estavam enfileiradas mais de dez caixas registradoras, tudo muito moderno, controlado por computadores. Se sentia importante em estar ali.



Viu uma fila e  entrou ela. Mas das caixas, apenas uma estava funcionando. Tinha umas cinco pessoas à sua frente. Paciência - pensou ele.



Chegou sua vez e colocou a cesta em cima do balcão e foi tirando o que tinha comprado. A moça da caixa era muito risonha e simpática fazendo  jus à loja.:  que fineza de mulher !.- Pensou ele.



Ela colocou tudo numa sacola de papel, ele pagou, tirando um bolo de dinheiro do bolso. Pegou a sacola e foi andando pra saída.



Quando passou pela porta  ouviu um apito. Mas não deu importância, pois na cidade tudo apitava.



Sentiu um rapaz, com um rádio na mão, tocar em seu ombro.



- Meu senhor...



Calixto logo retrucou: - Desculpe , meu amigo, mais não tenho trocado. Tinha, mais não queria tirar o bolo de dinheiro em plena rua, por causa dos assaltos.



Mas o rapaz retrucou:



- O sr. não ouviu o apito?



- Ouvi sim - disse inocentemente.



- O rapaz foi incisivo: o sr. vai ter que voltar. O apito tocou...



- E o que que eu tenho que haver com apito ? - disse Calixto - já disse que não tenho trocado...



- E o rapaz: Meu senhor.....eu quero dizer que a loja apitou e isso quer dizer que na sua bolsa tem alguma coisa que o sr. pegou e não pagou ou se pagou, a fita de proteção disparou por acidente, mas o sr. tem que voltar ao caixa.



- E Calixto foi ficando mais nervoso. Começou a juntar curiosos.



- O sr. quer dizer que eu roubei alguma coisa dessa loja? - perguntou  meio atordoado.



- Não...não - disse o rapaz -  mas é que o alarme disparou o apito e isso significa que tem algo errado...



- Olha aqui seu moço - acertou Calixto, já vermelho de raiva - eu não sou ladrão, ninguém vai mexer na minha bolsa e eu não tenho nada a ver se a loja apitou !



- O segurança, vendo os curiosos aumentarem,  disse:



- O sr. poderia me dar seu nome?



- Isso é uma coisa que o sr. pode contar que não vou dar mesmo....- disse Calixto, segurando mais forte a bolsa, entre os dados.



O segurança, não desistiu: meu senhor, ninguém tem nada contra o senhor....



- Se ninguém têm nada contra mim, porque que essa loja apitou?



- O segurança, tentou contornar:



- É uma questão apenas de prevenção, a gente logo vê que o sr. é um homem de respeito...



- Tai, é a primeira vez que o sr. fala algo de verdade: sou honrado e de respeito. Mas eu não vou entrar nesta loja nunca mais. E não vou lá dentro de jeito. Paguei o que devia. Tenho o recibo  - e mostrou o recibo de pagamento para o segurança.



A aglomeração aumentava. Um vendedor de pipocas, vendo a aglomeração, correu logo com o carrinho  prá frente da loja e foi logo gritando: "olha pipoca fresquinha!"



- O segurança pegou o rádio e falou alguma coisa. Chamava o gerente.



- Não demorou dois minutos e surgiu outro rapaz, engravatado da cabeça aos pés e foi logo dizendo:



- O que houve Jorge?  -  Falando pro segurança - .



- É que o apito tocou quando esse senhor saia da loja e ele não quer abrir a bolsa.



- E isso mesmo não quero abrir a bolsa, porque eu paguei tudo, tenho o recibo aqui - disse Calixto.



-  Meu senhor -  falou o gerente, tomando à frente das negociações - o nosso sistema, em todas as lojas do Brasil funciona assim.



- Bom, então é por isso que o Brasil não vai prá frente.....ironizou Calixto...



Juntava gente e mais gente. A loja estava praticamente vazia. Organizava-se uma  aglomeração de respeito. Tinha gente que até esticava o pescoço para ouvir a a discussão. Um vendedor de morangos, foi arrastando sua banca prá perto da roda de gente.



O gerente já sentindo a confusão que estava se armando, falou para o Calixto:



- Meu senhor, vamos ser sensatos, vamos até meu escritório e a gente resolve isso num minuto.



- Calixto persistiu: Olha seu moço, não tou com pressa não, um minuto, uma hora, não faz diferença, não.



E o gerente se remoendo, pra achar uma solução:



- Vamos fazer o seguinte, vamos até meu escritório, que a gente resolve logo isso...



E Calixto: Ah! não vou não ! O sr. já tá querendo me comprar. Então, eu vou lá dentro e essa porcaria de apito, apita de novo e dá nessa confusão.



Nisso ia passando uma viatura de PM, que vendo aquela aglomeração, deu uma acelerada no carro envergando-o no meio da rua. De lá sairam dois brutamontes, todos os dois com as mãos no coldre.



- Licença..licença....falavam tom áspero.. - O que está ocorrendo?



- O gerente logo falou de pronto: - O fato é o seguintes este senhor saia da loja e ela apitou. E quando isso ocorre e que o cliente não pagou algum ítem, ou algum fato estranho ocorreu em nosso sistema que é super moderno.Ele pode ter também colocado algum produto escondido no bolso!



- E Calixto: Vou dizer pela última vez: se me chamar de ladrão outra vez eu quebro sua cara !

Mas Calixto não se abalava com tanta confusão  mas não se conformava com tanta discussão. Na rua, os carros davam meia-parada para ver  o que estava acontecendo. A porta da loja estava apinhada de gente, cada vez mais curiosos. Lá dentro estava praticamente vazio, todos os funcionários acompanhavam a discussão.

- Um dos policiais disse em voz grossa e soturna:

- Os seus documentos, por favor.Calixto entregou  uma maço de papéis para o policial. Ele se dirigiu até  ao carro puxou o rádio e disse:

- Alô Central, pode averiguar ....e passou todos os dados de Calixto, enquanto se fazia um silêncio assustador . A calçada da loja já estava superlotada. O gerente suava, Calixto também suava. o  sol caia forte. Cada vez mais juntava gente na porta da loja. O gerente  pediu ao segurança que cerrase a porta centrral e só deixasse a de entrada e saída aberto, pois não havia ninguém comprando mesmo.

Ele se virou para Calixto e susurrou em seu ouvido: - Meu senhor será que a gente indo ao meu escritório, não resolveria o problema logo, eu tenho lá vários brindes para os melhores fregueses.

E Calixto: - Não vou não senhor. A confusão começou aqui e vai terminar aqui. Não sou ladrão, não senhor.

- Mas ninguém disse isso - afirmou o gerente. É apenas um mal entendido.

- É um grande mal-entendido - retrucou Calixto. Tudo por causa de apito.

- O policial chega e entrega os documentos a Calixto e diz: tá limpo !

- Lógico que estou limpo.

O policial chamou o gerente e Calixto e  falou:

- Recebi ordem da central para o assunto ser resolvido lá na delegacia. Aqui só vai tumultuar mais as coisas: o trânsito já está quase todo parado. Então convido o gerente o acusado a me acompanharem....

- Pera ai seu guarda, eu não sou acusado de nada. Não tenho culpa que a loja apita e chama a gente de ladrão.

- Tá certo...tá certo - cortou o guarda já impaciente - convido o sr. Calixto e o gerente para entrarem na viatura da polícia - arrematou o policial.

O gerente estava atônito, Calixto nem tanto, mas sentia os efeitos do forte sol.

O gerente ordenou ao segurança que fechasse toda a loja até ele voltar. E Calixto, sempre segurando a bolsa, e o gerente, sentaram no banco traseiro do carro, enquanto os policiais entraram no veículo, todo barrento e lá dentro exalava um cheiro nada agradável. Ligaram a sirene, e disparaam pela avenida. A loja foi fechada. Mas o povaréu não arredou logo dali. Cada um discutia a versão para o fato.

Até chegarem a delegacia, ninguém dentro do carro  falou. Era a sirene chamando a atenção dos transeuntes, o rádio ligado e parecendo que eles falavam em código, e todo mundo calado.

Saltaram na delegacia, e se dirigiram para a sala  do delegado, que falava ao telefone. Sua mesa era uma entulhada de papel e fotos, que só ele mesmo podia entender.

O policial, esperou que o delegado desligasse e explicou a longa história. Depois o gerente da loja também falou e deu uma versão. Calixto, explicou tudo. Os policiais foram embora, antes rascunharam alguma coisa numa prancheta ensebada.

E se fez silencio na sala meio fantasmagórica do delegado. Ele olhou para o gerente e depois para o Calixto.

E falou: o sr. quer registrar queixa?

- Que queixa, mané queixa, replicou Calixto, eu quero ir embora pra casa.

- Mas o delegado acertou : todo mundo que chega aqui quer ir embora. Nós só podemos resolver isso, se o sr. abrir a bolsa na minha frente, que sou autoridade máxima policial desta região e formado com louvor em advocacia.

-O sr. tem o recibo da compra que o sr. pagou na caixa, perguntou o delegado para Calixto.

- Tenho sim senhor, tá aqui na bolsa.  E mostrou ao delegado. Ele olhou, olhou e disse: mas aqui só tem descrito " dois pacotes de amendoins e uma boneca Barbie". - Correto disse Calixto.

O sr. pode abrir a bolsa, perguntou o delegado?

- Lógico que posso, mas só para o sr.

E abriu a bolsa: lá estavam dois pacotes de amendoim e a boneca.

O delegado deu a bolsa para o gerente e disse: o sr. favor de me mostrar o que este sr. roubou. A nota da caixa bate exatamente com o conteído da bolsa. Senão teremos que revistar os bolsos do sr. Calixto.

- Posso olhar a bolsa - perguntou o gerente -?

- E  o gerente enfiou a mão dentro da bolsa e colocou na já tumultuada mesa do delegado. Pasmo, ficou olhando os pacotes de amendoim e a boneca. Examinou detidamente os objetos. Tão detidamente que levou mais de dez minutos. Começou a futucar a barbie. E mexe daqui e mexe dali, destruindo aos poucos a boneca. os dois só olhando, até que o gerente quase gritou: achei...achei ! E retirou de um dos braços da boneca um pequeno pedaco de metal, mais parecido com um minúsculo grampo.

- Foi isso...foi isso...

- O quê - perguntou o delegado?

- O sr. está vendo este pedacinho de metal. Toda a nossa mercadoria tem uma. Ao passar no caixa a atendente retira o metal fora. Ele deve ter esquecido.

- Quer dizer que toda essa confusão foi por causa de um pedacinho de ferro?

- Foi....foi agora tá resolvido - respirou aliviado o gerente.

- Pera ai, disse o Delegado, houve várias infrações penais contra o sr. e contra a loja. Um homem foi acusado injustamente de roubo. Eu posso sugerir duas coisas neste caso: ou o sr. Calixto abre um processo penal contra a loja e contra o gerente. Podemos registrar a queixa aqui e no Procon, depende do sr. Calixto.

Calixto se sentiu dono do mundo, estava tranquilo, finalmente fora provado sua inocência.

- Então, perguntou o delegado para Calixto, o que o sr. pretende fazer. Podemos chamar os advogados das duas partes, se for o caso.

Calixto, roçou a barba rala, ficou pensando e pensando, até que se virou para o delegado:

- Vossa Excelência permitiria que eu e o gerente possamos ter uma conversa particular, ali no canto?

- Lógico, lógico, faloiu o delegado, já empaturrado com um caso tão bobo.

Num canto, Calixto virou-se para o gente e disse. - Olha aqui seu moço, estou disposto a não registrar nada, nem ir ao Procon...

- Isso, - respirou aliviado o gerente -.

- Mas sabe de alguma coisa, eu tenho em casa uma televisão muita pequenininha, quase não dá prá ver nada. Mas meus filhos adoram essas novidades de hoje: telefone celular, televisão gigante....essas coisas...

- Então, o sr. sugere...

- É sugiro, depende do sr.

- Mas lógico, o sr.  escreve o seu endereço neste papel que eu mando entragar hoje em sua casa dois telefones celulares e uma televisão.

- Pera ai, não estou falando de televisão normal, não. Tou falando daquela de uns 2 metros que eu vi lá na loja.

- Ah! o sr. diz a de 56 polegadas, que chegou hoje?

- Não sei de polegadas, mas é uma tão grande que quando a gente olha pra um canto o outro canto já passou.

- O gerente silenciou por instantes, enquanto o delegado esperava uma solução.

- De repente o gerente falou eufórico: - Sr. delegado nós entramos num acordo amigável e o sr. Calixto não vai apresentar nenhuma queixa nem aqui nem no Procon, tudo muito amigável. O sr. Calixto é um homem muito compreensivo.

- Bem, disse o delegado, já que os srs. chegaram a uma conclusão amigável e como não vai haver queixa eu os convido para deixar meu gabinete pois tenho muito trabalho pela frente.

Já descendo as escadas, o gerente abraçou Calixto e disse: parabéns o sr. é um homem de pulso. E Calixto: o sr. também,é  homem muito sensato. O sr. quer uma carona, o carro de minha loja vem me apanhar ?

E Calixto: Não, não precisa não, ainda vou passar numa loja  e vou comprar um jogo de poltronas bem grande...

- Ah ! Isso é bom, remodelando a casa, não?

- Não, não estou remodelando nada não, é prá poder ver televisão com mais conforto.!

José Kappel
Enviado por José Kappel em 19/03/2007
Alterado em 19/03/2007


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