José Kappel

Um amor sobrevive a outro amor

Textos

A Escola
A escola sempre foi a entrada para a vida e a fuga para as coisas que menos gostávamos: nossa casa.

Nos levava para o mundo da matemática, dos grandes pensadores, e dos pequenos; senos e cosenos e misturavam em hipotenusas que só pequenos gênios habilmente dotados podiam entender.

Aprendíamos álgebra,desenho,noções de química e física, mas não sabiamos amarrar um cadarço.

As fases da lua se misturavam com mundos exóticos da geografia e história - tudo muito mágico - mas não nos ensinavam como um bebê nascia.

Se eles nos mostravam um caminho a gente seguia outro. Se apontavam para a esquerda, seguíamos para a direita. Só nos amendrontavam as histórias que índios matavam crianças que não queriam aprender.E as comiam.

As aulas de religião nos mostrava a quantidade de pecados ou as excelências de coisas que o homem havia descoberto no sexo, mas agora estava encoberto sob o manto do pecado. E, por isso mesmo, deveriamos colocar em prática imediatamente aquele novos e excitantes pecados.

Mas se o sexo era bom, então o pecar era melhor ainda. No mundo da História não havia um rei sequer sem uma amante. Não havia príncipes que não estivessem rodeados por ávidas donzelas ou transexuados.

E esse era para nós o aspecto mais interessante da História, que, na verdade, nunca mudou. Sempre se repetia, porque através dos séculos o homem aprendeu a errar certo.

Em 1940, ia começar uma guera que,nem historicamente e fisicamente, não nos interessava. Nos braços de belas meninas sonhávamos com outras batalhas.

Na escola havia regras de sobrevivência. Nos meus 14 anos eu aprendi que era básico saber pular muros, roubar merenda, olhar por buracos de fechaduras, conseguir ficar em lugares escuros, ser cínico, jamais bondoso e ser prático.

Aprendemos a detestar o latim e por em prático o lado inverso do que nos ensinavam em religião. Usar sempre duas cuecas e ficar longe de meninas feias.

E ficar sempre e eternamente apaixonado. A cada dia uma nova paixão; isso nos fortalecia.era o dom mágico da vidade, ou da idade.

A paixão deveria ser bastante forte para aguentar 24h e a menina deveria também se esforçar para manter este tempo.

E nisso, a verdade surgia como o vento e, no dia seguinte, chorávamos pela perda do amor quase eterno.

Com o passar do tempo descobríamos os subterfúgios e as malícias que qualquer escola possui até nos dias de hoje.

Descobrimos que o professor de matemática, com olhares de hiena, gostava de ficar depois das aulas ensinando alguns alunos que ele considerava especiais. Às portas fechadas?Se a sacanagem teve seu tempo para se iniciar na História dos homens era exatamente naquele momento.

Descobrimos que todo professor adorava uma greve. E que nós devíamos apoiar com todo bom-senso qualquer movimento de paralisação.

As greves nos aliviava das tensões e dos professores e, como sempre, no final , ganhavam um aumento tão pequeno e tão vergonhoso, que era suspeito em falar em vitória.

Aprendi que a cada ano morria um professor. Era uma tristeza ver toda a família do morto chorando e, nós como sobreviventes eternos, ficávamos brincando de roça com as meninas, na sala da escola onde ele permanecia inerte.

No dia seguinte era feriado. Uma homenagem póstuma em memória do morto. Por isto levávamos a bola de futebol e enquanto eles lavavam a honra - meia suspeita do professor - a gente jogava futebol.Ou se escondia no mato com as meninas. A morte passava longe.

Depois do enterro, para comemorar a morte do professor, íamos a um bar e lá pedíamos Coca-Cola, que, obviamente, era misturada com francas doses de Cinzano ou Martini.

Fumávamos Astória e nem conhecíamos os preservativos. Partia-se dali à procura das meninas.

Aprender a duvidar do próximo era regra básica. Ter um amigo forte era outra. Ter uma namorada permanente não era recomendável.

Não tínhamos medo de morrer porque éramos muito jovens. Até que um dia, um colega de classe, foi tirar um apêndice e ficou torto, impedindo-o de fazer as coisas mais elementares. A partir daquele dia começamos a suspeitar que o perigo também rondavam as crianças : o maior inimigo do amor.

Pra disfarçar o medo que nos surgia diante da possibilidade de ficar tortos ou morrer, passamos a namorar cada vez mais e estudar cada vez menos. As meninas nos levavam para outro mundo que até a Igreja desconhecia.

E haviam incríveis meninas que nos queriam, gente de boa prole, apesar de franzinos e magricelas, sempre achávamos uma menina apregoada de sentimentos iguais aos nossos: totalmente devassos!

Algumas deixavam a gente ir em frente toda a vida - por isto andávamos com aquela horrível pasta escolar - que era aberta num instante.Lá saia papel higiênico e os mais variados lenços roubados da gaveta do pai.

Outras, no entanto, quando chegávamos ao ponto culminante da ação, nos dizia,trêmulas:" Ai não! Mamãe diz que não pode".

Nossa língua preferida era o francês. Uma professora recém-chegada da Europa, ia fazer um bico na escola e graças ao destino, juntaram duas turmas, numa só, porque ela cobrava caro e, assim, assistíamos a mais bela aula de todos os tempos.
A sala nunca ficava tão silenciosa - rapazes absortos naquela francesinha maravilhosa.Todos com as mãos nos bolsos.Mesmo sentados.

Ela chegava sempre com saia muito justa, deixando transparecer um pouco da borda dos seios. Maravilha em cima de maravilha. Era uma aula plena de anatomia humana que nos fazia estonteantes.E ter saudade da França.

Que bela língua a francesa - pensávamos inquietos. Quando ela falava com aqueles labiozinhos ferventes se contorcendo num ângulo sensual, a gente delirava por dentro.

Era a aula mais frequentada e ordeira de todas.A gente tinha um pacto onde, se alguém pertubasse a francezinha apanhava feio na rua.

Nunca aprendemos a falar ou escrever francês, mas as perspectivas de sexo evoluiram tanto que quando íamos beijar alguma garota, fazíamos o mesmo trejeito com os lábios.

As meninas adoravam o novo modelo de beijo: o francês.

Sempre duvidávamos do próximo e sempre prometemos negar tudo o que fosse ao mais próximo - a não ser os de nossa turma. Mas tinha exceções.

Ao meu lado sentava, na última fila - a mais requisitada por todos - um garoto que mais parecia um santo em pessoa.

Estudioso e caprichoso, sempre arrumado, e com uma bíblia do lado. Ele só tinha um porém: não ia as aulas aos sábado porque sua religião não deixava.

Eu aproveitava a deixa para incutir naquela cabeça que ele estava certo, que não deveria mesmo ir à escola aos sábados, já que ele começava a sofrer pressão da direção do colégio para tirar aquela idéia na cabeça.

E eu o convencia a cada dia que era terrivelmente pecaminoso fazer outra coisa, senão rezar e ir à igreja aos sábados, quer dizer, não fazer nada aos sábados.

Até que ele parou mesmo de ir. Meu esquema dera certo. Aos sábados, naquelas enfandonhas e inúteis aulas de geometria, eu chamava Claudinha -a mais feiosa da classe, mas com um par de pernas de fechar o comércio - pra sentar ao meu lado, lá no fim da sala. E não deu outra.

Enquanto o professor suava em sua geometia eu suava lá atrás plainando mãos dengosas naquele par de pernas, até chegar no ponto crucial. E ela dizia : "Ai, não...". E eu já sabia: a mãe dela devia ter proibido. Nunca faltei uma aula aos sábados, mas saia esgotado sexualmente. Eram mais de três lenços!

Um dia descobrimos que o professor de desenho, casado,com dois filhos, que não estudavam na escola, era amante da professora de latim, que também era casada e tinha uma filha.

Quando a mulher dele descobriu foi uma festa na escola. Primeiro porque o professor foi abatido por um um velho guarda-chuva, que acabou se partindo e o professor, humilhado e cheio de sangue foi atendido na enfermaria da escola.

Perdemos o professor de desenho e também aprendemos que mulher também sabia bater bem quando era ferida nos seus brios.

Também descobrimos que o professor de física mantinha um caso com o professor de português. Aquilo foi um escândalo que se abateu na nossa turma.

Mas com tanta mulher ele foi escolher logo um homem e ainda por cima professor? A gente descobriu o porquê: um dia fuçávamos as anotações do professor de física e víamos que em todas as páginas tinham desenhos de uma florzinha, ou uma bonequinha, outra lá,outra cá, tudo muito bem desenhado.

Ficamos quietos, mas tratamos logo de espalhar a notícia. Um mês depois o diretor da escola pegou os dois atrás dos bambuzais que ficava nos fundos da escola, no maior amor.

Os dois foram mandados embora sob suspeita de estarem com rubéola.Mas no fundo era tudo pura sacanagem mesmo !

Outro reboliço sentimental foi a descoberta de que o professor de geografia tinha um caso com a professora de história.

Até que era interessante aquela união de pontos turísticos com românticos homens que fizeram o mundo.

Ele, apaixonado mais casado, montou uma casa pra ela, que era solteira e vivia sozinha. O professor depois das aulas ia para a casa da amante, jantava e fazia o que tinha o que fazer por lá mesmo.

Um dia foi dedurado por um aluno reprovado e a mulher do professor flagrou os dois na casa. E a casa só não veio abaixo porque era de bom cimento. Isso veio provar mais uma vez a força da mulher.Grandes mulheres!

Foi amplamento divulgado pelos corredores da escola que a secretária - uma moça mais ou menos prendada e com um corpo considerável, estava mantendo um caso com o dono da cantina.

Descobrimos o fato depois de observar que a moça comia sem pagar. E pagar no ato era a regra fundamental da cantina. Ela se fartava de comer que mais parecia que ia levar o dono da cantina à falência.

Ai a a gente descobriu onde estava a recompensa. Na esquina da rua , onde ficava o colégio, os dois saiam bem agarrados. Pena que ele era casado, senão dariam um belo par.

O negócio acabou por ai. Nós achamos que a mulher começou a comer demais e demais e o dono da cantina, vendo o prejuízo crescer, e a mulher perder as formas, acabou por abandoná-la.

Ela não se deu por vencida, largou a cantina e começou a fazer suas refeições numa carrocinha que ficava na porta da escola. Achamos, mas não vimos, que toda a história se repetiu com o ambulante.Ele comeu, mas foi à falência.

Na aula de ginástica a gente fazia apostas das mais variadas. As aulas eram diferenciadas das moças.

Elas tinham aulas nos dias pares e nós nos ímpares. A aposta mais concorrida era de quem tinha o pirulito maior.

Eu sempre era o último e perdia sempre, mesmo tudo em pé. O único que passou a gostar dele foi o professor de ginástica que sempre que me via nu, olhava pra ele e dizia: "mais que engraçadinho! ". Eu tratava logo de vestir as calças e me mandar dali.

Se trancar em alguma sala também era fria. Encontraram o professor de trabalhos manuais fechado numa saleta com o professor de física.

Pior: os dois estavam nus e abraçados! Os dois foram mandados embora sob suspeita de estarem com meningite - doença da moda, naquela época.Quem acabou ganhando fui eu que estava pendurado em física.

A cola demandava um terrível esforço e era compulsiva. Mesmo sabendo muita coisa da matéria a gente sempre levava alguma coisa pra ajudar. Ela se tornava tão ousada como os lábios da inesquecível professora de francês.

Eis alguns tipos: Cola Sabonete: a gente escrevia na palma da mão um resumo das possíveis questões. Demandava muito esforço e dedicação, pois tinha que se resumir muita coisa em letras miúdas na palma da mão. Na hora, era só abrir os dedos suavemente que ninguém percebia. Naqueles dias, antes das provas, ninguém lavava as mãos.

Cola Bilheteiro: O aluno que mais sabia a gente socava ele no último banco e ele escrevia as respostas que vinha passando de mão em mão até chegar na primeira fila.

Cola Ferradura: a gente escrevia tudo numa folha de papel cetim e colava suas bordas no salto dos sapatos. Quem entrasse mancando, a gente logo sabia que tinha cola a caminho.

Cola Terceiro Reich: usada somente em último caso. A gente abria o livro e o colocava descadaramente entre as pernas. Se fosse pego era humilhado, levava anotação na carteira e ainda tinha que conversar com o diretor depois das aulas.E podia até pegar uma suspenção.

Cola John Wayne: se um dos alunos se negasse, por medo de ser flagrado, a passar a cola, era imediatamente surrado no pátio, quando a prova terminasse.

Cola Entrada Franca: Cada um por si e Deus por todos. Dias de desespero. A prova era marcada no dia. Cada um se virava como podia.

Cola John Ford: Um dos alunos começava a chorar num canto da sala.O professor ia saber o que tinha acontecido. Neste momento voavam papelzinhos por todos os lados.

Mais havia a incrível Contra-Cola: Usada pela maioria dos professores: separavam os estudiosos dos malandros; dava uma prova diferente para cada aluno; uns fingiam que estavam lendo jornal e ficavam nos observando, outros iam com óculos escuros igual à breu.

Não dava para adivinhar para onde ele estava olhando, ou dividiam os alunos por várias salas,ou finalmente, pediam ajuda a outros professores. Um ficava um na frente e outro escostado na parede lá atrás. Dias difíceis.


Outra descoberta nossa: a professora de inglês era amante do professor de ciências sociais. Os dois se encontravam logo após as aulas e saiam de mãos dadas.

Mas o negócio não funcionou. Meses depois eles se separaram. A professora de inglês, que era solteira, passou a namorar o professor de trabalhos manuais, que era casado, enquanto que o de ciências sociais, também casado, se amarrou com a professora de religião, também casada. Era um desando contra o casamento.

Descobri também que o professor de trabalhos manuais usava calcinhas em vez de cuecas. Foi um dia que eu tragava meu Astória escondido dentro do banheiro quando chegou o professor.Vi pela fresta da porta: ele arrimou as calças e surgiu uma bela calcinha de cetim avermelhada. Ficou conhecido a partir daquele dia como Jorge Vermelho.

E um dia, sem a gente perceber, chegou o tempo que passava. Já estávamos grandes para ficar na escola. O tempo tinha corrido e era hora de partir . Cada um de nós carregava sombras e alegrias. E a poeira iria começar a encobrir as lembranças.

E eu, particularmente, não esquecerei dos formidáveis e dos heróis que partiram mundo afora.

E de resto, lembrarei sempre da professora de francês, que me ensinou o que podia ser o verdadeiro e eterno amor.Sexual.

Era hora de ir. A vida real abria suas portas.E parte da juventude cerrava as suas.

E que portas!

Colegiadas
1) A escola é feita de muitos muros e professores sonolentos.

2) Na escola mais vale sonhar com um decote do que um decoro.

3)Na escola o inimigo de hoje é o sócio de amanhã.

4)Em toda escola o sexo é a matéria prima.

5)Os banheiros da escola são os subways da criança.

6)Em toda escola a dignidade e a honra só existem quando o assunto é cola e meninas.

7)Geralmente quem senta na primeira fila quando crescer vai ser gerente de banco: não quer conversa com ninguém!

8)Em toda escola a matéria principal é a professora: não precisa ter dignidade, religião ou moral. Basta ter um seio volumoso e ir dar aulas de saias justas com pregas no meio.

9)Na escola ninguém fica indiferente, fica ocioso.

10)Na escola não adianta gritar, o que está feito, está feito.E se não foi feito,seria feito.

11)Os amantes das escolas se encontram às escondidas e são irremediavelmente vistas por todo mundo.

12) Toda escola é a a iniciação para os gays. É ela que a gente, bem a gente, aprende que existe mais sexo no mundo do que se possa imaginar !

E assim foi um período da minha vida na escola: lugar onde se aprende de tudo, menos a estudar.
José Kappel
Enviado por José Kappel em 07/04/2006


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