Mil e Novecentos
inte minutos para o
tempo de 1950, era o que restava. Tentar me dissuadir desta lembrança, era tarefa árdua; eram muitos trilhos à minha frente, era um tonto bonde do tempo que eu tinha que perseguir, ele me calejava num misto de imagens,cores quase diluidas, e perfumes que até hoje rondam na memória que não quer se abater. Christian Dior marcava os vestidos. Bem amplos, quase na altura dos tornozelos. Cintura bem cingida, sapatos altos, luvas, peles, jóias. Se elas andava assim,em nosso mundo, homens nadavam em charques de sangue do outro lado da primavera.Era a guerra! Nosso mundo era grande, mas sem importância. Até sua morte, em 1957, Christian com seu "New Look", divagou por entre corpos tão famosos iguais aquelas, sem sobretudo, que tentavam, em vão, imitá-las. Nossas mulheres eram encharcadas de sombras, rimel, lápis para os olhos e sobrancelhas e delineadores. Em poucos segundos no azáfama do amor, quase tudo estava destruído pela força do amado pela querência da amada. Dela, só deixava um lastro de perfume inigualável atrás da palidez de seu rostos. Cabelos longamente aprumados, ora curtos, ora com mechas caindo pelo rosto, franjas ou rabos-de-cavalo. Nossa vida era ali. Junto ao lançamento do sapato-agulha, salto- choque, idéia socobrantes do francês Roger Viviver. No espaço ou na terra as coisas evoluiam. A Guerra Fria, travada entre os EUA e a então União Soviétiva, apartava em nossos olhos como algo tão inatingível e longíquo que, nem ao menos nos sentimentava. O espaço era tão longe, como tão longe continua agora. Nossa guerra era em casa, na escola,com os arremedo dos professores e a roupa que vestir. Do lado de fora de nosso mundo elas - sobrinhas parisienses nos esperavam. Veio a televisão. Antes dos colóquios, abraços e beijos, havia a perene visita àquela novidade espetacular. Tão briosa que acabávamos na amplidão de varandas enquanto nossas mulheres se perfilavam diante da tela mágica. Pior: só prá ver os vestidos das também espantadas apresentadoras. Os carros! Quase todos inspirados em foguetes. Neles, nossas aventuras começavam e acabavam no assento trazeiro. E como corriam aqueles pequenos bólides, enquanto quase tentavam escouraçar nossos corpos em incovenientes paredões ou doloridos muros. Mas o conservadorismo predominava. Todo mundo era obrigado a estudar, ter uma profissão, casar, ter filho e morar numa casa condigna. Mas, a história contou depois, que nem tudo foi assim. As mães sempre bem penteadas,encavadas de cabelos armados, debatendo-se com as novidades: uma infinidade de novas máquinas que pirulavam dentro de casa como novos monstros. Mas nada nos tirava do rock and roll. James Dean, quando se apresentou em 1955, com um blusão de couro em Juventude Transviada, nos tornou seu parceiro em rebeldia, pois,na nossa viinhança, ninguém conseguia mais dormir. Às 3h da manhã soltávamos foguetes em memória ao nosso ídolo - que pouco depois desapareceria. Em 1950, nosso mundo era este: mulher com rosto de Grace Kelly e Audrey Hepburn, com a sensualidade de Rita Hayworth, a limpidez sensual de Ava Gardner. Todo sexo do mundo em torno de Marilyn Monroe e Brigitte Bardot. Mulheres iguais aquelas, nunca mais. Nem em sonho!Só as nossas amadas podiam entrar nessa competição desigual! E assim: Em 1950, Mudava-se de roupa, ao suave Moon Dreams. Ou o audacioso Boplicity; Era do jaz, dos timbres agudos e estonteantes, parecendo brilhar, em enxame, de estrelas que brilhavam cotejados no céu de todos nós... Em 1950, não havia barreiras de tempo. Nem suaves vontade de conquistar o convulso mundo. Em 1950, nadávamos em águas rasas de um mundo que sobrevivia por si próprio e, nós, indeferentes às suas mazelas, rondávamos perigosamente a sua beira como a conquista fizesse parte do dia-a-dia. Sem ao menos saber que,nós próprios, eram os conquistados. Se havia liberdade interior havia também a ave cantante. O pudor desvairado encondido atrás de saias pensantes! Sagas de um tempo Onde Gil Evans e Mille Davis Estabeleciam princípios nunca respeitados. Não havia solidão - palavra respalda, inventada pelos mais velhos - anciãos de almas de vela! Não havia limites Haviam derivas e repassos. Lagos,cisnes e amores impossíveis. O sol fresco no rosto, A brisa levantando sonhos! E arrematando poeiras que um dia ia nos levar prá sempre ! O que nos interessava se houvesse vida lá fora? Se, aqui dentro - no junco do coração e dos amores - , polvilhavam-se de canções de hebreus, nas matinèes endiabradas, onde mantos sagrados, digladiavam-se com outros mocinhos e bandidos famosos. Mas no fundo, bem no fundo, daquele salão luminoso, havia sempre alguém, sempre e sempre de mãos dadas. O que nos importava - e era sério – se jordanianos agrestes anexavam parte da Palestina? Que o pároco desiludido pregava uma rendenção tão longínqua e atroz? Se a Rússia, de dar medo, e EUA rolavam os céus como alados, a procura de novos temas de guerra? E a guerra mal havia acabado e lá estavam eles Sobejos – bolinando com a Coréia; Dwight passageiro, e seu antecessor, o carismático Truman, digladiavam-se em perenes de sempre futucar os homens com aventuras de novas guerras! Lá prá Manchúria.... E se Panmujon resistisse? Ora..ora,um beijo nos assinalava ! Do outro lado do sol Arremetia-se o íngreme Vietnã como uma bola de neve de sangue. Cáustico ! A China perdulária: o Tibete nunca mais. Mas, e de Tibete, só conheçíamos o tal alvorecer! Com inimagináveis montanhas de sol. Começava o Macarthismo. Enquanto isso, inicia-se o noso enamorar pelas mais belas: aquelas de flores, que moravam nos nossos 17 anos. O irlandês Bernard Shaw morria, Mao proclamava sua independência, enquanto nos proclamávamos a descoberta do amor! -Até então desdém e incomprensível. Mas ele surgiu ao amanhecer Prá nunca mais dar voltas. Charlie Brow nascia com esse amor e sua ternura. Kurosawa arrebatava seu gênio E Ionesco trazia o teatro do absurdo. Tão absurdo como inventar naquela época o bruxo e a fada, que nos davamm crédito. A população desmiolada era de 51,7 milhões, enquanto nascia Pato Donald. – Um atrapalhado dos nossos sonhos ! Tão absurdo como o bluesman americano Muddy Waters lançar sua música e embriagados de Rollin Stone, que iria balizar a banda de Jagger. Tão absurdo viver do outro lado do sol, como não entender o que se passava à volta! O mundo rodava louco, e todos nós herdávamos um pouco destas bravuras insanas! Assim nasciam os pastores nos EUA e nós descobríamos a TV: ”Vingou, como tudo vinga,/ No teu chão,Piratininga/ A cruz Que Anchieta plantou/ Pois dir-se-á/ que ela hoje acena/ Por uma altíssima antena/ Em que o Cruzeiro Poisou/ Era uma catarse coletiva, Era o que faltava acontecer. À nossa volta três passos corridos de aventuras ! Do outro,lado do mel. Se o mundo corria. lá na cidadezinha, sem nome, ainda descalsos, pintávamos bravuras inacabados. E desconhecíamos o tal futuro que bate na porta, sem perguntar sobrenomes. E foi assim: Anos 50, rejubuliante e atroz, para nós um pedaço de terra alva, bem cristalina,adocicada, como um córrego inesquecível e sonolento. Para nós os Anos 50 começa ali aos pés da donzela mais bela, nos bailes clareados De Coca-Cola Rum e Bacardi. E a musa Audrey perambulava. sua angústia nos tripés dos cinemas. Um par de sonhos nos rondava, Nos forçando a arrematar flores inconquistáveis. Do outro lado do mundo, onde se enconde a meia-noite do sol, eu, Manoel, Sheila, Da Silva, enamorávamos atrás da trigueira. Enquanto lá fora no pedaço do outro mundo, os homens procuravam com artífices e balas às mãos a vida dentro da morte! Rifles prá que te quero! Estamos bem assim, na primeira e última aventura do outro lado da Lua. Mas sabíamos que, Contra Stálin, Orwell transformou 1950 em 1999. E então: E adeus companheiros, voltemos de mãos dadas ao corrimão da vida, às velas acesas, ao corpo de cada um, porque ainda brilha, o outro lado da morte. O ano acabou! Mas se um dia você perseguir um sonho, um sonho dos anos cinquenta, procure no calor, nos ombros, no espírito, de Audrey Hepburn ! Nossa vida morava ali!
José Kappel
Enviado por José Kappel em 12/04/2006
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