José Kappel

Um amor sobrevive a outro amor

Textos

Afoitos Alcaides
Não tenho tempo nem prá começar,
nem pouco para acabar.
É tudo, dizia o alcaide - é tudo -
uma questão de princípio.

Mas não tenho princípio nem fim.
Por isso não começo!

É tudo uma questão de princípio e de tempo.
Tempo eu não tenho mais prá gastar!
Acabou-se ali na esquina.
Desapareceu. Como some o aguardente
na sorvente boca do mendigo.

Tempo eu não tempo mais.

Se é questão de tempo, perdi o meu.
Se é questão de vida ou morte
não sei ainda qual escolher.

Se fico na vida: sobrevivo meio caiado
de verde mortalha;
Se morto escolho, perco meu tempo:
O que vou fazer na eternidade envelhecida?

É tudo uma questão de tempo
E isso lá prá dizer a bem da verdade:
Tempo há muito
mas no paradoxo da vida,
tempo é rarefeito e pouco e não há mais nenhum!

A noite vago por todas as janelas
e vejo todos gastando tempo:
ora aqui, ora ali,
e todos jogando tempo fora.

E como tenho pouco tempo, pouco
vejo do tempo deles!

É, desculpe, mas agora não tenho tempo
atendam o telefone, redobrem o som dos sinetes, mas
nem prá isso tenho lá tempo: tempo de ouvir!
Tempo de meditar que tudo foi ousadia do tempo!

E vem a grande senhora, governadora do
castelo ou de província, vem o oficial de justiça,
chegam as autoridades espanholas e me
perguntam: nem prá Ursa Maior?
Sim, amiga que me falta,é escasso o tempo para admirá-la! O céu se turva quando tento!

A bem da verdade, e que se diga rapidamente,
nem tenho tempo prá achar qualquer espécie de céu.
Se expande a luz do sol,se meneia a tênue lua,
mal tenho tempo para achá-lo no meio do céu.

Mas que céu?

Sou um homem agora assim: cheio de poesia,
risonho,embrumado,aprumado,com coisas
prá dar e vender a quem aceitar a primeira oferta!

E prá acalentar os mendigos,prá
embriagar mais os bêbados, para fainar a bela mulher,
para subir montanhas e conquistá-las,sinto muito, aqui dentro diz:
falta realmente tempo.

Perdi o tempo dentro do meu tempo.

Se não acho meu tempo, se não me encontro em suas bordas,
sou uma espécie de encanto, acompanhado de cento e uma cordas
de cetim que me adornam o pescoço, mas advertem: só queremos
um pouco de seu tempo !

E eu lá tenho tempo!
Tenho um túmulo florido -comprado à prestação -
este eu vendo, pois ali vou passar a eternidade dos tempos
a procura de mim mesmo e de quem faltou !

Mas quem faltou?
Será artimonhosa dona das letras?
Será a apaixonada rapidamente?
Aquela que fez mil juras ao cavaleiro de prata
mas quando surgiu o veloz jato, nele embarcou
prá terra de ninguém?

Ou foi engano meu?
- Tinha alguém !

Se não tenho mais tempo,
você perdeu o seu.
Prá mim só falta ir.
Prá você, querida e amada donzela dos campos
mimados de dor e afoitas flores, ainda ,e muito ainda ,
falta chegar !

José Kappel
Enviado por José Kappel em 06/05/2006


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