Afoitos Alcaides
Não tenho tempo nem prá começar,
nem pouco para acabar. É tudo, dizia o alcaide - é tudo - uma questão de princípio. Mas não tenho princípio nem fim. Por isso não começo! É tudo uma questão de princípio e de tempo. Tempo eu não tenho mais prá gastar! Acabou-se ali na esquina. Desapareceu. Como some o aguardente na sorvente boca do mendigo. Tempo eu não tempo mais. Se é questão de tempo, perdi o meu. Se é questão de vida ou morte não sei ainda qual escolher. Se fico na vida: sobrevivo meio caiado de verde mortalha; Se morto escolho, perco meu tempo: O que vou fazer na eternidade envelhecida? É tudo uma questão de tempo E isso lá prá dizer a bem da verdade: Tempo há muito mas no paradoxo da vida, tempo é rarefeito e pouco e não há mais nenhum! A noite vago por todas as janelas e vejo todos gastando tempo: ora aqui, ora ali, e todos jogando tempo fora. E como tenho pouco tempo, pouco vejo do tempo deles! É, desculpe, mas agora não tenho tempo atendam o telefone, redobrem o som dos sinetes, mas nem prá isso tenho lá tempo: tempo de ouvir! Tempo de meditar que tudo foi ousadia do tempo! E vem a grande senhora, governadora do castelo ou de província, vem o oficial de justiça, chegam as autoridades espanholas e me perguntam: nem prá Ursa Maior? Sim, amiga que me falta,é escasso o tempo para admirá-la! O céu se turva quando tento! A bem da verdade, e que se diga rapidamente, nem tenho tempo prá achar qualquer espécie de céu. Se expande a luz do sol,se meneia a tênue lua, mal tenho tempo para achá-lo no meio do céu. Mas que céu? Sou um homem agora assim: cheio de poesia, risonho,embrumado,aprumado,com coisas prá dar e vender a quem aceitar a primeira oferta! E prá acalentar os mendigos,prá embriagar mais os bêbados, para fainar a bela mulher, para subir montanhas e conquistá-las,sinto muito, aqui dentro diz: falta realmente tempo. Perdi o tempo dentro do meu tempo. Se não acho meu tempo, se não me encontro em suas bordas, sou uma espécie de encanto, acompanhado de cento e uma cordas de cetim que me adornam o pescoço, mas advertem: só queremos um pouco de seu tempo ! E eu lá tenho tempo! Tenho um túmulo florido -comprado à prestação - este eu vendo, pois ali vou passar a eternidade dos tempos a procura de mim mesmo e de quem faltou ! Mas quem faltou? Será artimonhosa dona das letras? Será a apaixonada rapidamente? Aquela que fez mil juras ao cavaleiro de prata mas quando surgiu o veloz jato, nele embarcou prá terra de ninguém? Ou foi engano meu? - Tinha alguém ! Se não tenho mais tempo, você perdeu o seu. Prá mim só falta ir. Prá você, querida e amada donzela dos campos mimados de dor e afoitas flores, ainda ,e muito ainda , falta chegar !
José Kappel
Enviado por José Kappel em 06/05/2006
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