José Kappel

Um amor sobrevive a outro amor

Textos

A Mulher Que Sempre Estava Indo
Dentre minhas inúmeras aventuras amorosas, muitas das quais não posso enumerar aqui, pois respeito o pudor do leitor, me faz notar uma de dolo amoroso, que não deu muitos frutos, pois a mulher não combinava mesmo comigo. Ia arquivar o caso no coração, quando comecei a meditar sobre ela.

E algo, de lance, me chamou atenção. Era pois uma mulher diferente, destas que a gente não encontra  por ai, espalhada em bares ou esquinas.

Mas isso não tem a mínima importância, pois não sou juiz ou padre para julgar os pecados dos outros.

Mas a Nilda - esse era o nome dela - bem prendada, de cor algoz, bonita até certo ponto, faladora como atriz de novela, mas muito sensível, pois chorava  por qualquer coisa.

Quando, às vezes, a gente passeava pelas ruas do Rio de Janeiro e via um homem matando o outro, sem o menor motivo, ela se descabelava toda,e chorava às dengas, mas eu achava um negócio tão normal, pois tinha tiroteio,toda hora, onde você estivesse. Morria tanta gente, que a coisa pra mim virou coisa normal e entendiante.

Bom, a minha namorada, tinha uma pertinaz mania: estava sempre indo.

Um dia era uma coisa, outro dia outra coisa. Mas ia sempre.

Quando comecei a namorar a Nildinha ela estudava Artes ( e dá futuro estudar artes no Brasil?) e eu um simples, mas respeitado bancário, pois, trouxe isso de berço: roubar nunca. Mas que dava vontade, isso dava.

Me orgulhava de não ser ladrão, pois esse negócio de roubar, já tinha virado mania lá em Brasília, cidade onde um cidadão tem milhões na conta e não sabe. Pobre de mim tenho perto de R$ 1 mil na conta e vem imposto pra todo lado e até o mísero CPMF.

E é engraçado, lá em Brasília, o Imposto de Renda, não cobra nada de quem rouba o outro.

Bem, o negócio é a Nildinha, coitada.

O caso começou logo quando a gente começou a namorar. Do Banco, telefonava pra casa dela. Conversávamos muito e senti que ia ficar apaixonado.

No final da conversa eu sempre  perguntava, aonde vmos hoje?

E ela sempre dizia, coisas assim:

-  Ih! Querido, hoje vou visitar vovó, ela está muito doente. A gente se encontra depois, tá, meu querido?

- Eu aceitava. No outro dia, eu telefonava e chamava pra sair, e lá vinha ela:

-Ih, meu querido, hoje eu tenho que fazer o cabelo e a unha. Você compreende, né? Eu dizia que sim. Passava lá no cabeleiro e pegava ela.

- No outro dia dia, a mesma coisa. Eu chamava sempre:

- Vamos tomar um chopinho hoje?

- Hoje não dá. Tenho que ir na casa de meu tio. Sabe como é né, meu querido.

A gente se encontrava depois, é verdade, conversava e se amava no portão da casa dela até bem tarde da noite.

- Quando  eu me aproximava das coisas íntimas dela, dizia:

- Meu bem agora não, tenho que ir...

- Mas logo agora..! - eu resmungava. Este detalhe é muito importante pra mim, pobre mortal, mas na hora do amor,tudo muda, quero dizer, mudava para os  outros,  mas comigo tinha um porém. É que as donzelas de hoje, até as muito feinhas, inventaram uma calça  cumprida muito esquisita.

Acho que inventaram pra facilitar o amor, pois nada prende á calça, de tão justa ela se amarra no quadril, e vem descendo e descendo, num corte maravilhoso que só os costureiros sabem inventar.

Então aquilo fica muito mais fácil, basta você dar um puxão e você fica com a calça dela na mão. Conta meu avó que, antigamente, era difícil você namorar e tirar as roupas das mulheres. Pois era roupa atrás de roupa. Uma faina cansativa e anti-produtiva para os pobres homens.

Acho, que, por isso, os índices de natalidade, naquela época eram tão baixos. Hoje há uma explosão demográfica. Deve ser por causas destas novas calças.

Então, mesmo eu dando um puxão e ficando com a calça dela na mão, ela dizia, impaciente:

Agora não, meu bem, tenho que ir...Tô sentindo frio ! Você conhece papai, né. Eu tenho que ir...boa-noite.

E a vida passava e não é que todo dia ela ia pra algum lugar?

Ela sempre dizia: Ah! hoje não dá, tenho ir que fazer um trabalho com alguns colegas.

- Tá certo - disse eu - mas depois...

- E ela: bem depois a gente ia na casa de uma colega que faz anos.

E eu pensava: essa mulher tá sempre indo. Não é possível que exista  alguém assim - pensava eu com meus botões.

E ia  ao dentista, à feira de flores, ao ginecolista, ia à missa, ia patinar, andar de teleférico, ia andar de charrete, ia viajar, ia comer fora, ia visitar parentes, ia ao banco, ia fazer compras, ia estudar, ia chorar e ia a tanto lugar que eu mesmo não sabia que eles existiam.

Um dia a gente passaeva no shopping,com aquele mundaréu de gente, lugar onde mais se olha do que se compra, e a gente andava pelos corredores. Ela virou-se pra mim e disse.

- Meu bem, eu tenho que ir !

- Ir agora onde?

- Tenho que ir ao banheiro.

- Mas você não disse em sua casa, que ia ao banheiro lá?

-  Eu disse que ia, mas esqueci. Agora tenho que ir.

- Então vai que espero aqui - disse eu já odiando aquela coisa de sempre ir.

Daqui há pouco tá ela de volta.

E eu perguntei por perguntar: foi?

- E ela enfática : não!

- Mas, disse eu já enviezado daquela chatura, mas você  não disse que ia.

- Eu ia, fui, mas cheguei lá e perdi a vontade.

- Agora eu quero ir...

- Não deixei ela terminar a frase e emendei: você quer ir ao banheiro ?

- Não, disse ela radiante, quero ir tomar um sorvete !

Depois daquela dia descobri que namorava uma mulher que sempre gostava de ir. E fui enchendo, enchendo até  que terminamos o namoro.

- Tá louco - pensei eu - essa mulher tem algum trauma: tá sempre querendo ir à algum lugar.

E ai o tempo passou, só fiquei com a lembrança dela.

- Um dia, saindo do trabalho, encontrei com um velho amigo de infância e ele foi logo falando. Meu querido, tava pensando em você agora, vamos tomar um chopinho...

- E eu disse: meu amigo, não dá, agora eu tenho que ir...

- Mas você vai onde?

- Eu tenho ir que visitar meu tio que chegou do exterior...

- Ai, cai em mim. A maldição dela passou pra mim. Todo dia eu tinha que ir a algum lugar, comprar alguma coisa, visitar alguém, mas  sempre indo.

E a tal maldição eu peguei: estou sempre indo a algum lugar e descobri  que não chegava em lugar nenhum.

Bem agora páro por aqui,  já cansei o leitor com tantas bobagens...Tenho que ir !

- Vou parando de contar essas coisas tão íntimas, pois estou com pressa de acabar, pois tenho que ir visitar minha mãe que está doente. Não queria ir, mas tenho que ir. Nem reza braba, me tira desta louca maldição que  aquela mulher me pregou.

O pior eu soube:  o novo namorado dela também está sempre indo, e agora piorou, pois onde ela vai, o pai não aguenta, e vai também, e vai o irmão. Todo mundo vai. Um caos genético que dela, passou pra mim.

Estava  indo consultar  um psiquiatra. Um homem bom. Mas desisti logo na primeira sessão, pois tudo ia bem até que ele disse:

- Agora tenho que ir !

Comecei a tremer e ter espasmos. Senti que era meu fim e desmaiei. O médico me ajudou a recobrar os sentidos, mas nunca mais quis me dar consultas.
José Kappel
Enviado por José Kappel em 10/05/2006
Alterado em 10/05/2006


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