Amapoula
Ela não fala,
sussura, bom ouvinte, a gente entende. Ela olha com meio-pavor, indecisa ocasião, lábios avezados boca disforme, ela não fala, pensa. Procura recordações, que só existem nas do presente, mais no presente são só luzes disformes,faces sem decisões. Se mexe com amparo, remove as mãos trêmulas para debaixo dos lençóis de cetim. Medo talvez,vergonha demais: ela não fala, pensa torto. E se todos dão meneios de carinho isso pouco importa, o tempo não traz mais nada - aquilo que foi - e se trouxesse, viria encoberta de corridas malucas, pelos, ainda, campos de flores, rodas gigantes coloridas, pipocas bem doce, mãos dadas com alguém, avós e tios e primos, generalizaria a festa do desdém. Ontem foi ontem hoje é amanhã amanhã, não tem mais. Ela não fala, só dá prá pensar. E julgar o quê? Se tudo é confuso, confuso é o início, confuso é o fim. Já foi bela, rainha das flores ! Olhos tristes, esverdeados, quentes maneiros de sonhar. Mas de que adianta o terço? A voz de consolo? A mão que acalenta? Sabe mulher, foge daqui. Procura seu mundo que mais não é a terra que gira. Sabe mulher, sou vesgo e insensível mas, por todas as fábulas, juro que nesta noite de visitas insãs, fui para um canto e de lá chorei. Mas, afinal, mãe, você não merece isso. Que se rompa o tempo e a abóboda de luzes se agigante e faça dela o que era antes: uma pequena deusa do amor: uma mãe; uma verdadeira mãe. Fecho a porta e me guardo dali. Não entendo de Deus, rezas ou santos. Entendo do que não entendo, mal percebo do que não quero mas isso eu quero: não mais vê-la sofrer. E mãe, volta pro seu tempo antigo e canta canções de roda pra seu amado - que também já se foi - dancar a luz de velas, um tom, uma valsa, uma romântica canção - Amapola? Enquanto você volta abra minha garrafa de Daniel's 79 e em embebedo até a luz raiar pois de aço não sou mais feito, e balbúrdias de dor no meu coração ninguém faz de novo. Três goles, para três vidas e uma dor tão imensa como o mar mais gigantesco. E ,de lado, toquem Amapola só para o filho e para todos os que já amaram e cercam o mundo de ternuras.
José Kappel
Enviado por José Kappel em 03/09/2006
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