José Kappel

Um amor sobrevive a outro amor

Textos

Santos das Pingas
Se eu não

aparecer hoje

é porque não desisti.



Apenas deu medo de gente.



Não sei porque,

não sou chegado

a anjos e arcanjos,

cruzes de malta,

sacerdotes de mantas

apretadas –colarinho

suado e amarelado.



Não,não sou!



Há mistérios assim,assim

Que, devagar, vão comendo

A gente.



Prefiro ficar lá no meu canto

onde dormem os de vida

e sonolentam os que foram.



E depois me digam se não tenho

razão:

calço seis pares

de meia por semana

e uso um par de

sapatos,

e sou obrigado a alisar

vinte pares pretos por

dia.

Segurá-los,amaciá-los

Para o conforto da caixa.



Pego o trem das 3h

pra chegar às seis.



Ai, santíssimo, estou

é morto.



Se alguém tiver outra idéia

que a diga.



Como sanduiche de

mortadela

e trago uma

pinga

de norueguês.



E vai trabalhar assim:

carregando corpos

o dia inteiro:

como um faxineiro

da humanidade.



Vá trabalhar,dizem eles!



Pô! Cansado estou, de pó e ferrugem

de tanto limpar os

corpos e

acalentar, de longe,

as pobres viúvas

e os resplandecentes viúvos,

que só fingem chorar, e partem

agora, pra achar o tempo perdido!



Baixo a cabeça na hora solene

fingir comovido;

jogar terra por cima

e dizer pro irmão:

já vai tarde!



Depois eu vou de bonde.



Trabalhar assim nunca

mais.Jogo

terra e engulo a pinga

é terra e pinga.



Bem, a pedido da irmandade

dos desesperados,

vou largar tal trabalho

de empurrar corpo pra terra.

Ela, sabida, que os engula.



Sai dessa Antônio,

vira tua pinga,

mas não vira mais corpos.



Procura Maria, de corpo

limpo,cheirando a Phebo,

de calça rosa e bem vivida.



Ela só me diz:

larga essa Antônio,

Larga a norueguesa,

Pois um dia quem vai

E você.



De enxada na mão, pá

na outra, e gritando

“socorro...socorro”,

bebo pinga, mas estou

aqui... é bem vivo !
José Kappel
Enviado por José Kappel em 05/09/2006


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