Santos das Pingas
Se eu não
aparecer hoje é porque não desisti. Apenas deu medo de gente. Não sei porque, não sou chegado a anjos e arcanjos, cruzes de malta, sacerdotes de mantas apretadas –colarinho suado e amarelado. Não,não sou! Há mistérios assim,assim Que, devagar, vão comendo A gente. Prefiro ficar lá no meu canto onde dormem os de vida e sonolentam os que foram. E depois me digam se não tenho razão: calço seis pares de meia por semana e uso um par de sapatos, e sou obrigado a alisar vinte pares pretos por dia. Segurá-los,amaciá-los Para o conforto da caixa. Pego o trem das 3h pra chegar às seis. Ai, santíssimo, estou é morto. Se alguém tiver outra idéia que a diga. Como sanduiche de mortadela e trago uma pinga de norueguês. E vai trabalhar assim: carregando corpos o dia inteiro: como um faxineiro da humanidade. Vá trabalhar,dizem eles! Pô! Cansado estou, de pó e ferrugem de tanto limpar os corpos e acalentar, de longe, as pobres viúvas e os resplandecentes viúvos, que só fingem chorar, e partem agora, pra achar o tempo perdido! Baixo a cabeça na hora solene fingir comovido; jogar terra por cima e dizer pro irmão: já vai tarde! Depois eu vou de bonde. Trabalhar assim nunca mais.Jogo terra e engulo a pinga é terra e pinga. Bem, a pedido da irmandade dos desesperados, vou largar tal trabalho de empurrar corpo pra terra. Ela, sabida, que os engula. Sai dessa Antônio, vira tua pinga, mas não vira mais corpos. Procura Maria, de corpo limpo,cheirando a Phebo, de calça rosa e bem vivida. Ela só me diz: larga essa Antônio, Larga a norueguesa, Pois um dia quem vai E você. De enxada na mão, pá na outra, e gritando “socorro...socorro”, bebo pinga, mas estou aqui... é bem vivo !
José Kappel
Enviado por José Kappel em 05/09/2006
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