José Kappel

Um amor sobrevive a outro amor

Textos

Vago Tempo
Estava sobreposto na esquina
como um pássaro sem guarda,
algumas luzes iluminavam a rua,
meia escura, balizada por postes
de segurança contra ladrões,
e marias da vida.


Era a ducentésima vez naquele ano
que procurava aquele bar
não que ele fosse de porte
rompido com grandeza;
ao contrário, era singelo,pobre
e cheirava a bebida mal-digerida.


Encostado na borda da parede do bar
via passar todo tipo de gente,
sem me saudar, via-os como pirilampos
sem rumo.

Que rumo tomar?

Passavam na rua cavalos enfeitados
puxando carrugens bem adornadas
engorlados por aros luminosos.


Passavam na rua mancebos que
sem pensar gritavam e faziam gestos
como acabassem
de nascer.

Eu quieto. Eram quinze para às 11
e puxei um pensamento
qualquer. Ansiedade, por exemplo,
não sentia nenhuma.

Entrei no bar e apanhei um
aguardente de sola -
destes puro e incoerente.

Gorjei-o, mas era como nada
tivesse acontecido.

Voltei a minha guarda. O tempo
não passava.
O relógio havia parado quinze para as 11.

Aprumei-me a vista e vi o mar
longíncuo,refeito e bento por uma lua
de dar furor.

Pensei - ora, ora, se o tempo
não passa, e em quinze para às 11 parou
que posso fazer?

Atravessei distraido a rua.
Veio um bonde com velocidade
acelerada. Ele não me viu e
eu não vi mais nada.

Era a centésima vez
que isso lá acontecia.

De repente tudo sumiu
e a dor passou.
E a doce tranquilidade
voltou.

Era notório que eu era volátil.

E durante todos estes anos,
anos de duzentas vezes,
todas as noites, vou para
a porta do mesmo bar.
Senão aquele, outro que construíram.
Senão outro,fui lá, que mais se modernizou.

Repousei minha alma em qualquer parede
-pois tudo flutuava
e fiquei ali às quinze para as 11
esperando dona Maria Joana da Silva Carvalho,
de 18 anos, que jurou que chegaria na hora em
ponto, às quinze para às 11.

Nunca mais veio e agora
eu, envolto com uma nuvem,
vago inconsequente por todos
os bares a espera de um sinal dela.

Que danada de morte.
Que vida esquisita!
As quinze para às 11 você morre
e vive sempre aquele tempo
como nada de mais tivesse acontecido.

Danada de morte!
José Kappel
Enviado por José Kappel em 12/09/2006


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