Vago Tempo
Estava sobreposto na esquina
como um pássaro sem guarda, algumas luzes iluminavam a rua, meia escura, balizada por postes de segurança contra ladrões, e marias da vida. Era a ducentésima vez naquele ano que procurava aquele bar não que ele fosse de porte rompido com grandeza; ao contrário, era singelo,pobre e cheirava a bebida mal-digerida. Encostado na borda da parede do bar via passar todo tipo de gente, sem me saudar, via-os como pirilampos sem rumo. Que rumo tomar? Passavam na rua cavalos enfeitados puxando carrugens bem adornadas engorlados por aros luminosos. Passavam na rua mancebos que sem pensar gritavam e faziam gestos como acabassem de nascer. Eu quieto. Eram quinze para às 11 e puxei um pensamento qualquer. Ansiedade, por exemplo, não sentia nenhuma. Entrei no bar e apanhei um aguardente de sola - destes puro e incoerente. Gorjei-o, mas era como nada tivesse acontecido. Voltei a minha guarda. O tempo não passava. O relógio havia parado quinze para as 11. Aprumei-me a vista e vi o mar longíncuo,refeito e bento por uma lua de dar furor. Pensei - ora, ora, se o tempo não passa, e em quinze para às 11 parou que posso fazer? Atravessei distraido a rua. Veio um bonde com velocidade acelerada. Ele não me viu e eu não vi mais nada. Era a centésima vez que isso lá acontecia. De repente tudo sumiu e a dor passou. E a doce tranquilidade voltou. Era notório que eu era volátil. E durante todos estes anos, anos de duzentas vezes, todas as noites, vou para a porta do mesmo bar. Senão aquele, outro que construíram. Senão outro,fui lá, que mais se modernizou. Repousei minha alma em qualquer parede -pois tudo flutuava e fiquei ali às quinze para as 11 esperando dona Maria Joana da Silva Carvalho, de 18 anos, que jurou que chegaria na hora em ponto, às quinze para às 11. Nunca mais veio e agora eu, envolto com uma nuvem, vago inconsequente por todos os bares a espera de um sinal dela. Que danada de morte. Que vida esquisita! As quinze para às 11 você morre e vive sempre aquele tempo como nada de mais tivesse acontecido. Danada de morte!
José Kappel
Enviado por José Kappel em 12/09/2006
|