José Kappel

Um amor sobrevive a outro amor

Textos

Vento Que Bate
Bate a perna,bate o braço.
Bate a porta.Arreda,mas não abre.
Esperneia, mas não chora.
O vento esgueira e depois cansa.

Por ser homem, procura a porta e dança.
O vôo é curto e não é de prata.
A caçada é brava e lá voam pedaços de sonhos.

Não morre de costas, não morre de frente.
Mas apanha sem dó.
Tão mansa é a cor, tão densa é a bruma.
São os nogueirais que dançam ao vento!

Corre sangue, mas não arreda - costura.
Quem corre é boi de cordão.
O grito é no escuro, a paulada, na cabeça.
Segura a bandeira, trança no corpo,
mas não deixa a pátria fugir!

Se a pátria morreu
faça-a ressurgir dentro do
verbete.Páprica, arroz doce,
grito na paturilha !
Mas não deixa morrer.

Desfaz este nó,
grilhão de mel,
tal tempero em pó, feito com pimentão
vermelho, como o bravo sangue.

Pela porta do tempo, corre solto,
com vara curta e botas e bonés.
E lá,só sem primeira comunhão.
Tudo à soleira da porta,
pedindo pra entrar.

São rascunhos de memória curta.
Ela, na cadeira de cedro,
cheirando a jasmim e eu sem manhã para entrar.
Que récita sem dó!

São barganhas de bonecas
que já lá nasceram estrelas sem falas.
Mas eu derrubo a fada e mato meu sonho.

Guerreiro de pano!
Reis que não aguardam a brisa.

"Reis comem rainhas no vasto jogo de tabuleiro do xadrez fogoso; enquanto lá pelas tantas o calmo príncipe faina a princesa na bela cama. E quase morrem em dueto formoso. É um pega-pega de coiotes, de pólvora seca, e estátuas curiosas.E disse o rei:É a boa linhaça da juventude que me falta!
Mas não abre mais esta porta.E deita comigo e faz deste pranto um castiçal de amor."


Aquela pêssega me levou cem anos de minha vida,
rodopiando bandeiras e roçando na sombra.

Me levou minha idade,
um cordão de ouro,
um facho de luz,
três bonecas de palha, uma caixa de música.
Uma espada de prata e uma matilha de cães.

Chuma saudade,chuma até doer.

Até meus vintens de prata levou.
Até calças rasgadas!
E só deixou pó
para alçar saudade.


Levou minha dona embora.
Tal homem levou!
Bom guerreiro, dono da morte,
pluma e esvoaça, corta a maçã
como uma afiada faca lantejoula.

Deixou,por vontade, uma foto
- ele de certo, ela de pajém,
eu vestido de pó e um
reino todo em guerra.

Quando chega a hora chinesa, de manhã,
É a hora da meia-noite, hora de troca dos dias.

O que ficou lá para trás segue para frente.

Quem morreu ontem por lá, vai renascer hoje por aqui.
Diz a lenda nebulosa.

É a hora chinesa!

Quando ela chega, do outro lado do mundo,
que fica do lado de cá, ou no meio, ou no ontem,
todos vão ao grande lago iuminado por tochas
e adornado por flores.

E jogam lembranças e adeus para aqueles que não foram e não partiram, pois todos vivem a hora chinesa.

Meio aqui, meio lá.
E um grande barco passa ao largo levando os que chegaram
e esperando os que vão partir.

Não me peça as horas
dentro do tempo.

Agora é do outro lado de lá,
quando
surge a manhã marcando sete
Agora é do outro lado de cá,
quando
morre aqui o dia
marcando sete e um.
José Kappel
Enviado por José Kappel em 22/09/2006


Comentários

Tela de Claude Monet
Site do Escritor criado por Recanto das Letras