José Kappel

Um amor sobrevive a outro amor

Textos

Cemitério de Sensibilidades
 
Costumo meditar nos campos santos. Nada de lúgubre ou fanhoso, flácido em sensibilidade. Apenas, nos cemitérios, as coisas são como parecem ser. Ou seja, não existe mais nada ao lado de cruzes e velas. Nos monturos de cimentos me parecem que vozes augustas morrem tépidas ao som da noite.

Às vezes, penso como serão as noites ali? Um blá-blá-blá infindável de mortos falando dos vivos, ou se encontrando, ou mordazmente criticando o que não mais veem ou sentem. Deve ser um baforrido dos diabos o que acontece por lá e a gente não percebe.

E nos meus costumes afoitos imagino coisa impossíveis, que há uma mínima possibilidade de existir em nossa imaginação e, quem sabe, um dia, com a progressibidade das coisas, eles apareçam por encanto?

Penso na Maria que amou João. Maria está sob meus pés, enquanto João está lá cem metros à frente. Mas quem matou João por amor de Maria dorme com Antônia, quase ao meu lado.

O mesmo que montou guarda acaricia de gentilezas com aquele que o mandou montar a guarda. Há um retrato apaziguado de 1918. Lá estão Antônio e Suzana. Mas Antônio não amava mais Suzana, mas sim Renata. E ela, lá no fim, dorme com sua dor enquanto Antônio inquieto, percorre inutilmente as lápides.

O mesmo que hospedou dorme agora com o hospedeiro. Quem deu esmolas dorme ao lado de que as pediu. Lugar de estranhas histórias; paradas que nunca terão mais fim.

Se as noites de lá falassem, todos ouviriam José, de tamancão, à procura de Maria e Roberta, com grandes camisolas de antão, atrás de Antônio.

Mas para nós, ainda possíveis vivos, há uma quietude que incomoda pairando sobre tudo aquilo!
José Kappel
Enviado por José Kappel em 28/12/2019
Alterado em 06/01/2020


Comentários

Tela de Claude Monet
Site do Escritor criado por Recanto das Letras