José Kappel

Um amor sobrevive a outro amor

Textos

Inventário do Tempo

Tenho pouco tempo e pouco a dizer.
Me chamam do outro lado de lá.
Umas são vozes conhecidas, outras, não.
São imagens disformes que me clamam,
umas permeáveis outras tocáveis.

Se é hora de ir, é hora de partir.
Já não sei como me chamam:
de colonial ou parcial.
Mas sou dividido em duas partes.
Uma do sim, outra do não.

Não faço moda e meu Natal é de ano inteiro.
Faço festa o ano corrido.
Mas, um dia sim, outro não,
sou irresistível e vou a uma Igreja.
Bem pobre e colhida por sacerdotes humildes.

É ali que se perdoam os pecados.
E tenho muitos, participo de todos
- até agora inventados.
Escondo a maioria por vergonha,
pois namoro a filha do tal sacerdote.
Ele perdoa, mas quando vou a casa dele,
fica com de pé atrás.

Por isso sou figurino de todas as horas.
Hora sim, hora não,
pergunto em que tempo que vivo.

Se sou medieval sou um pouco tímido
pra enfrentar todas essas guerras;
se sou moderno me previno
de invenções do espírito,
pois cada dia inventam um amor superior.

Hoje, apenas divago e nada comprovo.
Não tenho certidões, nem parentes.
Fico de angústia em angústia
subindo suas escadas.
Não ganho presentes.
O sol me rareia e a luz me afugenta.
Se sou lobo desalmado,
sou tônico dos desvalidos.
Pois sou até bom e cheio de variedades.
Dou pão para os mendigos
e flores para as mulheres.

Sou ambivalente e corrosivo.
Por isso me despeço.
Vou embora às 11 da noite.
Peço informações e descubro o caminho.

Mas se há espinhos por lá eu sei.
Mas vou assim mesmo.
Em tempo de festa da carne
a gente não quer saber de nomes.
Apenas ama o que tem dentro.
Se nada tem, a gente inventa.

Vou indo que meu caminho é curto e soleiro!
Mas tempo que é bom, tenho demais e de menos.
Se me falta, invento um.
Dou um nome e vou viver com ela, por uns tempos
desde que não seja uma eternidade,
mas que não seja curto demais.
José Kappel
Enviado por José Kappel em 18/01/2020


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