PEDRA
Ordeno meus pensamentos, onde toca o tango, faço uma pedra bem afeiçoada, pedra bem ao gosto, amarrotada pelo tempo, esquecida no embrulho da montanha. Pedra que me faz pedra, gente que me atiça adiante, com fagulhas de ardósia, criam uma moldura azul-afogueada, e fazem passos de um só homem de uma vontade sem levantes. Na vida,tudo amarroada! Procuro lembranças dela no pôr-do-sol, onde desfila na vitrine das despedidas. Mas, se hoje sou eu que me perco de saudade e sem vida, a procura da moldura dela, amanhã será você, a procurar a verdade de tudo. Mais virá tarde: virá pedra sob pedra, na ardósia da vida, onde nada restou, senão pó, de nosso grande amor gratinado de só de adeus - sem Deus - disso só viveu! PEDRAS (2) Ordenança das Pedras A terra onde nasci não tem mais, assentaram nela tanta coisa esgotada, que ela foi sumindo, entrando numa buraco escuro, onde até as flores se refugiaram em outras terras empanadas. Minha terra não tem mais: foi pedra em cima de pedra, e, dai, nasceram prédios e mais prédios, -edifícios cintilados de solidão - que foi, pouco a pouco tomado por gente de terno passado, e mulher com roupa de homem, todos falando em celulares, e roda daqui, roda dali, os problemas aumentando, a terra foi crescendo e minha memória foi morrendo. Mas não foi aqui que eu sentava quando me barbeava aos quinze anos? Namorava na terra crescida? No apogeu da terra dourada,batida, crescida de esperança? Minhas ruas foram trocadas de charretes e carros de bois por vistosos carros, - destes bem modernos. Terra de Sienas ! E até a cor da cidade não se dá bem com a cor do céu: amarelo e vermelho, tudo frouxo. Ah! Terra Esgotada! Fui também na antiga casa dela. Era pequena e tinha um riacho a percorrê-la, um jardim a moldá-la, tinha cheiro de mulher, cheiro de terra. Fui na casa dela não chorei, porque a idade já não me provém deste escândalo interior: mas lá estava: a casa dela, onde a gente repartia o dom da mocidade entre beijos e abraços, tinha virado tudo pedra, também esgotada. Não tinha mais nada: literalmente, eram centenas de pedras magoadas dispersas, no jardim e arrolhando o percurso do já minguado riacho. Terra dos Azáfamas! Até o rei Axum varre minha Etiópia! E de minha terra mais nada sobrou: agora é pedra e mais pedra. E nosso amor vigilante, se tornou morte, ela partiu prá lá, eu fiquei cá só e pensando: pedra que faz pedra torna o coração dos homens de argila mais não mata nosso amor. Pedras! Fizeram da terra aquecida, agora fria e crescida. Tão crescida como um desastre interior! E se não lhe dão nome, dou um: cedras vistas de longe são... Ordenança das Pedras! FOGO Babilônia de meus dias, fogo que arde no peito, - suplício e fogueira - traz a de nome Maria para os amores e meus feitos ! A chama que arde, é a mesma onde reside, os faroleiros que anunciam na sensação de perca, na fuga do que durou até tarde. Ave!Dos bilbodes! Tudo agora é palha pra Fogo de São João, a sensação é de um pirotécnico, que, no dia-a-dia, nem encontros coletivos agora tem. Não tem Maria, não têm jeito, não tem fogo! A viver só de vida é sonho, é bombinha de festa, é fogo feniano. Dela, que deixou minha paz abalada, num fogaréu pulado, primário e grego, com uma asa pra voltar e outra pra rodopiar! Hoje, ao recordar nossa vida, tenho certeza, que se você soubesse ao menos, se eu existisse, me carregava brando,lento,delongo, e correria aos meus braços. Pois igual ao fogo de Maria, não tem. O resto é de mal agouro! Se ela se tornou fogo e caleja agora outro corpo, a culpa é minha: Sou dois perigos, uma pólvora de tempo, um fósforo de alentar, pra, uma hora, virar, alternativa da saudade, ou madeira de consumo ingrato. Volta, Maria alvissareira, senão viro fogo de bebedeira! ÁGUA Sou justo,cristalino,inclinado, perfaço a água, como infusão, de um brado de amor; sou aquoso,oxidante, perfurador de ânsias, barítono de uma grandeza que me fez,um dia, rei dos feéricos. Rústico, de qualidade suspeita, até precária, rodo mundo como um riacho sem precdentes: nada me aguarda, as portas estão fechadas, sou piracema lustroso e caminhante rodeado de sal. Axés! Rodo à volta, e nela goteja louro-cerejas que formam frutos, que,algum dia, será água de rosas mas sem face, com presença falida, em minha borda mortuária. E rodo mundo sem cordas, e enfrento lagos,fontes, bradeado de chuva. Até vento de ordem! Sem valor,mais zeloso, rodo por dutos seculares, destilado,meteórico, de tamanho fácil e cheio de dores vacilantes. Se somos dois, somos parte de água, lustral das flores e musgos, percorrentes da vida e da morte - lá onde cai o sol e levanta a lua. Se somos dois, somos partes, e dentro de amores, a gente jura, sem querer, o que hoje é dormente amanhã será diferente. Nas águas panadas levamos o sabor amargo da despedida. Mas, sem cores aladas. Um dia você se foi avoada, como rolam águas, sem jeito de partir. Um dia você se foi como coisa do passado. E teve gente que disse: lá vai ele: carregado de intrigas e pouco perdão. Lá vai ele - diziam - O homem que veio da noite, disfarçado e descobriu o fogo,a pedra e a água. Mas, desvendado de carinho, foi morrer entre os reluzentes marinheiros de alguma praia sem nome e perdida. Lá na fervura, onde aquecem o gosto do amor-mar, de cerejas e espinhos, e dormindo, pra sempre, ao lado de uma definhante água-marinha. ÁGUA (II) Sou ânsia da água - orgulho de reza - celebrante de seu brilho, macero meu destino em seu apanágio, corro montes pela sua pureza. Sou vida por sua causa, sou andante de reis, nunca sou posto à prova de fogo e vivo cristalino,o lustroso exulta de alegria minha rala alma. Sou ânsia do que vêm da água, sou coisa fácil, até maleável, venho de reinos de celebrantes onde exorcizo meu amor saudável. Não vim de longe, vim de lado dela, vim dos sais, e me apronto de luz próximo às pontes. Água panada ! Não me importo com geleiras,cursos magoados de água, com lagos que nos refletem e prometem: um dia o que é volátil será porta de entrada de nosso amor instável e inacansável! Se da água tudo me faz vida procuro em seu banho-loiro, minhas forças apreciáveis, para fazê-la de toda, meu amor fadado, um amor que até hoje, só teve idas, paz e vertentes das águas de telhados! De volta, ninguém falou! E um dia ela partiu assim: abriu parte de água, e se tornou tão etérea como ave de bom agouro, banhada pela garoa. Mas, uso pote encantado, para guardá-la: assim, feito de barro, mas cheio de amarras. Águas de barrelas! Sei que água e vinho se misturam, sei que um faz o outro, mas meu curso já está feito: hoje sorvo seu beijo sem suturas, hoje faço seu dengo, mas dela faço minha primeira água, meu primeiro de beijo. E, se partimos, um prá um, dois - de que lado? Espero com a taça de água e o ameno vinho, a hora de você chegar, e abrirmos a garrafa da vida a botelha de luz. Que agora nos cedra e nos convida, para a próxima ceia: você de branco - igual a mais pura água - eu, de vestal, a servi-la como o mais vasto príncipe. José Kappel
Enviado por José Kappel em 20/02/2020
|