José Kappel

Um amor sobrevive a outro amor

Textos


De uma mulher do próximo largar o próximo e eu ser o próximo.  


Tenho medo da eternidade porque ela é ave solitária sem fim.


Do tempo achar que estou tendo tempo demais. 


Ser tênue balança onde os fracos de espírito se pesam. 

 

Tenho medo dos detalhes, pois os detalhes são extremamente pequenos, mas é nele que se revela a grandiosidade do ato. Mas, um detalhe leva a mais detalhes, e acaba se ramificando em dezenas deles. A surpresa de novos detalhes é que pode nos levar onde nunca julgamos ir e, pior, não sabemos para onde o detalhe está nos levando.

 

De ser livre para pensar e ser proibido de pensar alto.

 

Ser preso, acusado de não fazer nada. De conseguir a liberdade tendo feito tudo.


De ser atalho para o falso.  


De ser propriedade da tristeza.  

 

De ser caminho andado para a solidão.


De ser amante dos falidos em pureza, e intensidade dos derrotados, pela agonia dos que desprezam o próximo.


De todos que se dizem donos de alguma coisa. 


De descobrir que o céu é só azul celestial.


De sentir frio no nos braços de alguém. 


De ser adepto da exclusividade. 


De ser intransigente com a solidão.

 

De ter dor por querer as coisas. Quando mais belo, forte, e até débil for o desejo de querer, mais mais dúbia é a dor.

 
De pensar que a igualdade entre as pessoas é apenas formalidade e parágrafo débil de algum discurso.


Das coisas que chegam primeiro na vida.


De saber o que é um sonho e nunca ter um. 


De abrir a porta e perceber que ela já foi aberta.


Das luzes que nunca se conformam em ser  desligadas.


De caminhar à noite e o relógio da igreja marcar meio-dia. 


De ser chamado e não conseguir ouvir.  


De minha mulher achar que meu prazo de validade extinguiu-se.

 

Ser o personagem principal de uma cerimônia fúnebre.

 

Ser Medieval quando meus direitos constitucionais são pisoteados.

 
De reviver o passado sem nunca ter tido um. 


Dos que falam em bondade, fraternidade e amor só pensando em poder e dinheiro em dinheiro e poder.


Esquecer que dia foi ontem e que no ontem eu jamais estive e, se estive, alguém me falar que ele existiu. 


De ser membro de algum Tribunal de Justiça da Ordem dos Deuses


De acreditar  que o mundo está em paz.


De meu cão entender tudo o que eu falo pra ele. 


De toda manhã sobrevoar meu jardim, de poucas flores, sem nunca ter aprendido a voar. 


De não aprender a morrer.


Da mulher eterna que amei na juventude, e me renegou, e que hoje pede esmolas de amor em todas as camas

dos reis falidos, que normalmente frequenta. 


De aprender a pensar. E pensar !


De ser a última esperança da terra.


Saber que por trás de tudo tem mais tudo.


De saber que as pedras são rudes e solitárias. Mas nasceram assim - pra serem pedras.


De acreditar no que digo, falo ou escrevo, sem acreditar em nada.


De ser tecnologia ultrapassada. 


De ter medo de políticos que de tão ocasionais, só pensam como ser humano de 4 em 4 anos.


De ser costureiro dos pijamas dos reis.


De ter centenas de amigos produtores de toda razão e nenhum deles tem uma.

.  
De ser pássaro e viver cantando para alguns homens ávidos em embebedar-se com meu canto-prisioneiro. 


De ser triste.  

 

De ser gente. 


De não ser.


De ser uma prorrogação.


De ser uma balão branco e começar a voar,  sempre para o amarelo, enquanto o azul me espera segurando um balão verde e virarmos um sonho colorido.

 

E, a partir deste sonho, saber que meus medos são meus. E ter medo de ser o medo.
 

José Kappel
Enviado por José Kappel em 22/02/2022
Alterado em 02/03/2022


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