José Kappel

Um amor sobrevive a outro amor

Textos


Amapola

Ela não fala,

sussurra,

bom ouvinte,

a gente entende.

 

Ela olha com meio-pavor,

indecisa ocasião,

lábios avezados

boca disforme,

ela não fala,

pensa.

 

Procura recordações,

que só existem no presente,

mas no presente são só

luzes disformes, faces sem

decisões.

 

Se mexe com amparo,

remove as mãos trêmulas

para debaixo dos lençóis

de cetim.

 

Medo talvez, vergonha demais:

ela não fala, pensa torto.

 

E se todos dão meneios

de carinho isso

pouco importa,

o tempo não traz mais nada -

aquilo que foi -

e se trouxesse, viria encoberta

de corridas malucas,

pelos, ainda, campos de flores,

rodas gigantes coloridas,

pipocas bem doce,

mãos dadas com alguém,

avós, tios e primos,

generalizaria a festa do desdém.

 

Ontem foi ontem

hoje é amanhã

amanhã, não tem mais.

 

Ela não fala, só dá pra pensar.

E julgar o quê?

Se tudo é confuso,

confuso é o início,

confuso é o fim.

 

Já foi bela,

rainha das flores !

 

Olhos tristes,

esverdeados, quentes

maneiros de sonhar.

 

Mas de que adianta o terço?

A voz de consolo?

A mão que acalenta?

 

Sabe mulher, foge

daqui.

Procura seu mundo

que não é mais a terra

que gira.

 

Sabe mulher,

sou vesgo e insensível

mas, por todas as fábulas,

juro que nesta noite de

visitas (in)sãs,

fui para um canto e

de lá chorei.

 

Mas, afinal,

mãe,

você não

merece isso.

 

Que se rompa o tempo

e a abóboda de luzes

se agigante e faça dela

o que era antes:

 

uma pequena deusa do amor:

uma mãe.; uma verdadeira

mãe.

 

Fecho a porta e me guardo

dali.

Não entendo de Deus,

rezas ou santos.

 

Entendo do que não entendo,

mal percebo do que não quero

mas isso eu quero: não mais vê-la sofrer.

 

E mãe, volta pro seu tempo

antigo e canta canções de

roda pra seu amado - que também

já se foi - dançar a luz de velas,

um tom, uma valsa,

uma romântica canção - Amapola?

 

Enquanto você volta

abra minha garrafa de Daniels 79

e me embebedo até a luz raiar

pois de aço não sou mais feito,

e balbúrdias de dor no

meu coração ninguém faz de novo.

 

Três goles, para três vidas

e uma dor

tão imensa

como o mar mais

gigantesco.

 

E , de lado,

toquem Amapola

só para o filho

e para todos os

que já amaram e

cercam o mundo

de ternuras.

José Kappel
Enviado por José Kappel em 07/08/2022


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