José Kappel

Um amor sobrevive a outro amor

Textos


De onde vim é terra basta,
chão batido de poeira
e pedras de arrastar.


De onde eu vim,
não é o fim do mundo,
mas também não 
é 
o início dele.


De onde eu vim
tem uma pracinha colorida,
um presépio permanente,
ladainhas e procissões de hora
em hora.


Tem pipoqueiro fausto de
sal e algodão doce
que implicam à guloseima das
crianças.


Tem uma pracinha bem aconchegante;
bancos envernizados,
plantio avulso de árvores e flores
dispersas ao longos de vários
canteiros.


De onde eu vim,

faz 
muito tempo,
tempo demais,
não resistiu a aragem dos homens,
e sucumbiu de arredia aos suplícios

de homens

que de tudo fazem

para destruir e

amainam a terra

com sacolas plásticas

de cimento ordeiro e puro.


De onde vim,tinha  até orvalho carinhoso e, no verão,
um sol de vermelhidão.

 

Tinha
meninos de rua, homens de negócios,
charretes flácidas  e mulheres de toda
hora.


É, mais este tempo acabou.


Quando fui lá não existia mais nada
disso. A muito custo encontrei seus restos.

 

Pois o passado deixa pegada

como um animal de domar.


Todos abandonaram a vila de príncipes e fadas,
longos castelos e sizudos reis, e se foram.


Não perguntei pra onde, pois
vi o cemitério abandonado cheio de
cruzes avulsas e todos parecendo
que a festa, sem começar,

acabou ali.


Não, não tem mais não.


Minha terra acabou e com ela
seus probos cidadãos.


E com meu tempo acabado
sem esperança de volta,
chorei um pouco perto
dos canteiros vazios e
sussurei: este tempo
já morreu e morri também
por saber que onde existia parte
de minha vida foi banhada pelo tempo
e pela voracidade dos homens.


E como bom mendigo, arrastei
minha trouxa e fui procurar
outro lugar pra dormir.


Porque voltar mais,

neste tempo
nesgo e inchado de lembrancas,
não volto mais não, meu senhor!


O tempo mata as coisas e sufoca
os homens.
De onde vim a terra era fértil
e os carrocéis não paravam de rodar.


Minha terra morreu ou

eu passei do tempo

sem avisar

aos donos da vida?

Mas dá no mesmo:
os dois estão mortos!

José Kappel
Enviado por José Kappel em 26/09/2022


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