José Kappel

Um amor sobrevive a outro amor

Textos


Sou montanhês de dois
cajados,uma manta de lã,
uma meia de cabra;
não tenho parentes,
só espinhos.

Não que seja bravo,
sou montaria dos ventos,
e maino do sol.

Me ruivo ao rodopiar
ao forte sudeste;
tenho cabras leitosas,
e quando cai a noite
me fecho em abas.

Sou simples e rudimentar.
Não sou de letras
não tenho canetas,
escrevo com coração;
quando acordo,
e a majestade da montanha
desperta, nasce a
festa interior do homem.

Os pásaros se rebuliçam,
as coisas se esticam,
a natureza se esfrega como
dois pombos apaixonados,
o sol é o primeiro a chegar
retirando lentamente a
noite de seu lugar e
é o último a nos deixar.

Não conheço vales, nem campos,
o que vejo aqui de cima
é algum puro mar longíncuo
e restos de palhoças,
bem dispostas,
dançando ao veroz vento
e se abrigando do forte sol.

Por isso se me procurarem
digam que nada acharam,
não por vesgo ou à esmo.


Digam apenas que nada viram
ou se viram,
se depararam com um homem
simples, um sol no coração
e um desespero na alma.

Fugi, fugi de todos
por mera precaução:
descobri o amor e tive
medo de abraçá-lo.

Se vivo só, vivo augusto,
coberto de panos
e jamais faço anos.


Mas se me virem,
se me virem, digam
que espargi diante das pedras
e sonho todos os dias
com a leva de cordeiros
sombreados de flores.

Se sou assim, sou assim.

Mas pra cidade não volto mais;
de lá tenho medo,
de me fazerem homem
igual, com rótulas de chapéus
e ternos longos de agonia,
vivendo sem frestas
no parque da cidade cheia de festa,

bem vazia !

José Kappel
Enviado por José Kappel em 12/10/2022


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